Boletim Fora da Série das Jornadas da Seção SP - Número 05 - Novembro de…
Editorial Boletim Fora da Série #04 – As Exações nossas de cada dia…
Por Paola Salinas
Coordenadora da Comissão de Orientaçãodas Jornadas (fora da série) Subversões da EBP-SP
Este precioso Boletim reúne pontos importantes para nossa discussão: gozo, cultura, laço social e invenção. Conduzindo-nos, imediatamente, a desejar localizar a psicanálise e seu movimento, não somente no momento atual, mas em seus fundamentos enunciados já há algum tempo por Lacan.
Mônica Bueno de Camargo, localiza com precisão um ponto teórico que permite abordar um lugar para a psicanálise. Sustenta que a formulação de Lacan acerca do gozo feminino, se constitui em um orientador fundamental para a clínica atual. Retoma nas palavras de Bernardino Horne o efeito subversivo do Um, articulando a lógica para além do falo, o gozo feminino como o gozo como tal – nas palavras de Miller – e o feminino como aquilo que comporta a opacidade deste gozo para todo ser falante. Aponta, a meu ver, um modo de pensar as invenções e a heresia inerente ao desejo do analista.
Seguindo como em um “diálogo”, Silvia Sato testemunha o efeito subversivo de uma psicanálise, não sem articular os fundamentos desse discurso, de sua clínica, e do seu encontro com ele, o que nos permite pensar na aposta necessária de cada analista, que a cada vez, embora sem garantias, se sustenta em uma lógica precisa. Silvia afirma que a “crença de que a psicanálise se mantém subversiva se sustenta pela noção de furo no simbólico, marcando o corpo pelo real do gozo que escapa ao sentido”, apontando um fazer possível frente ao impossível.
Do impossível, passamos ao intolerável, significante recolhido em outros dois textos. Eliana Figueredo, aponta e questiona as subversões e invenções possíveis. Retoma fatos da política nacional com uma escrita que nos faz quase revivê-los, ao mesmo tempo que abre uma discussão, com Nuno Ramos, sobre “o brasileiro” que tolera o intolerável, que paralisa ou que se acomoda. A partir da produção artística, aponta um movimento possível, que pode vir a ser transmitido, apostando na invenção e subversão na cidade. Patrícia Badari nos brinda com a poesia da história de uma mulher afegã que realiza, justamente um movimento, que lhe permite inventar-se a partir de uma saída que subverte a norma sexual. Destaca o feminino, em diferentes facetas, como ponto opaco que entrelaça a história e a possibilidade de invenção.
Bianca Dias, nos traz o desassossego do artista José Rufino, descrevendo de modo enfático e belo o fazer do artista que trilha um percurso, ao depois. A produção de Rufino se faz dentro do mais atual possível, o isolamento resultante da pandemia, as características do horror no Brasil, e se insere em uma transmissão que provoca a ruptura, perturba o outro, e pode engendrar um movimento. A afirmação de Bianca, ‘acordar a língua e o corpo pela obra’ testemunha uma transmissão do artista, e nos leva a retomar a pergunta sobre o gozo.
Miquel Bassols, vem nos dizer de modo preciso, que o gozo do outro é tão inumano como nosso próprio modo de gozar. Retoma a afirmação de Levi Strauss, que provocou um turbilhão em 1971, e afirma que “O ideal de tolerância recíproca quando se trata dos modos de gozar, o ideal de uma reciprocidade entre o gozo de cada ser falante e o gozo do Outro, se mostram impossíveis de sustentar.”
Lacan, trazido por Bassols não apazigua àquilo de que se trata quando falamos do gozo e do gozo do Outro, e quando se pensa o que fazer com sua presença. Exações é um termo orientador de Lacan, que de forma clara e realista Bassols nos reapresenta no fundamento da relação com o gozo do Outro e suas derivações também no campo social. Trata-se de um aspecto que a psicanálise não busca ignorar, por estrutura.
Podemos dizer que Lacan é subversivo, não somente na concepção de sujeito em 1960, mas também com as contribuições das formalizações que chegam, também com Miller, à clínica do real. Se talvez, não haja surpresa frente ao momento atual, onde o objeto mais de gozar está no lugar de comando, como retoma Bassols, o que pode ser uma resposta digna de cada analista em nosso tempo?
De certo modo, temos visto, a cada vez, esboços de respostas, em cada escrito deste boletim, em cada fala nas atividades destas Jornadas. Pensar a dimensão da exações, do extravio ou desatino ao qual o gozo de cada um impele, não nos imuniza em relação aos seus efeitos, mas nos permite uma ação que os leva em conta, que tem a orientação da inscrição de um singular que não se repete, que é único, mas que pode se inserir no laço. É essa a aposta da psicanálise em nosso tempo, os textos aqui reunidos dão testemunho das inquietudes, das elaborações, das saídas, e principalmente, dos fundamentos que permitem uma heresia.