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REFERÊNCIAS RESSONANTES

10 de outubro de 20247 minute read

“Fazer o amor, como o nome indica, é poesia”  (Lacan, 1985, p. 98)[1]

MYAMPGOESTO. Lois Greenfield: Moving Still. Disponível em: myampgoesto11.tumblr.com. Acesso em: 9 out. 2024.

por Erick Leonardo[2]

“Ainda encontro a fórmula do amor…”[3] Eis que se canta desejosamente por uma solução prêt-à-porter, para acertar no match da parceria amorosa. Na cena analítica, o falasser encontra um lugar:  “Se um quer uma mulher, ela pode estar no topo de uma montanha, que ele vai até ela!”, afirmou uma analisante, “E uma mulher quando quer um homem, ela faz o quê?”, respondido quase como um chiste, com um sorriso, “Ela sobe mais alto”.

Corta-se a sessão que veio a se desdobrar sobre a experiência do amor edipiano, na pista do que canta Lady Gaga, “Baby, why do we love each other? / I said Honey, it’s simple / it’s the way that you love and treat your mother”[4].

Sobre a infância e a poesia, Freud nos diz “Acaso não poderíamos dizer que ao brincar toda criança se comporta como um escritor criativo, pois cria um mundo próprio, ou melhor, reajusta os elementos de seu mundo de uma nova forma que lhe agrade?”[5].

Já advertidos da inexistência da relação sexual, fazer o amor se torna possível partindo “da escuta do sentido à leitura do fora de sentido”[6]. Consultemos os poetas: 

Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização.

 Chico Buarque, Futuro Amantes.


“Na Urgência, se rompem as coordenadas de espaço e tempo do sujeito e este se precipita em uma temporalidade marcada pela angústia. Atender essa urgência implica em acolhê-la no instante de ver, o qual não se refere ao frenesi do tempo que impõe o mestre moderno ou à pressa que responde ao imperativo superegoico do ‘goze’, mas ao tempo de algo que urge no real.” (Moreno, 2024, p. 80)[7]

por Nelson Matheus Silva[8]

 O trauma foi o primeiro nome dado ao real[9]. Quando a urgência é lida como a emergência de um gozo[10] que aponta para o traumatismo, o que está dado de início é a possibilidade de desobstruir o dizer; o que convoca o analista a fazer par com a urgência de quem o demanda. Aqui, não se trata – ainda, pelo menos – de uma relação com o saber. O encontro acidental com o que é da ordem do inassimilável reaparece muitas vezes e nos dá testemunho de que “não estamos sonhando”[11]. Frente à demanda de voltar a dormir, o que interessa, sobretudo, é como precipitar o parlêtre num caráter que não seja homogêneo, em que se insira no tempo comum um acontecimento[12], da urgência para voltar a dormir à urgência daquilo que emerge no real.

Em O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada[13], Lacan aponta que há um tempo que se liga ao acesso do verdadeiro, se trata de um instante de ver, um ponto de partida que precisará ser reconstruído ao longo de um tratamento. A temporalidade escande ou precipita aquilo que é da ordem do conclusivo. Tomar o tempo, frente à urgência, fora do standard é tomá-lo como um real, um modo de inserir um elemento heterogêneo.

Suponhamos alguém que busque um analista após uma tragédia familiar e no primeiro encontro, num lapso, o alívio surge no lugar de outra coisa. A urgência diante do trágico aponta para o desejo de voltar a dormir; um dizer rompe a forma espessa do não querer saber a respeito do que já não suportava, estar no lugar de quem aparta o sofrimento do Outro. Como voltar a comemorar a vida? A quem ele orgulhará com seus êxitos? Como existir depois dessa tragédia? A delicadeza da manobra do analista em sublinhar seu dizer mas sem deixá-lo mergulhar no buraco negro que se abriu para ele, deu lugar à urgência como a irrupção de um real deste parlêtre: como seguir sem ser aquele que obtura a falha no Outro? A oferta de que voltasse uma vez mais e mais enlaçou sua demanda inicial a um convite a seguir falando, fez da demanda de voltar a gozar dormindo mutar-se num querer saber.


A experiência analítica é uma experiência coletiva de dois; a psicanálise não está confinada ao consultório do psicanalista, permite captar a mola da psicologia dos grupos, das formações coletivas”[14]. p.3

por Liége Uchoa

Esta citação veio no bojo das discussões colocadas por Miller sobre uma teoria da Escola, surgida na cidade de Turim, no contexto da Formação da Escola de psicanálise na Itália. Uma concepção sobre a “lógica coletiva” foi aí tratada partindo daquela apresentada com muita clareza no texto de Freud Massenpsychologie. Lacan resume em uma frase o seu conteúdo: “o coletivo não é nada – o coletivo não é nada senão o sujeito do individual”[15]. Então, na citação apresentada, quando é dito que “a experiência analítica é uma experiência coletiva de dois”, é para apontar que os fenômenos que se revelam e se desdobram no tratamento, são os mesmos que os fenômenos colocados em evidência no plano coletivo. Nos termos de Freud, a função do eu, a do Ideal do eu, e o fenômeno da identificação. Por isso a psicanálise não se reduz ao consultório, ela tem no horizonte a subjetividade de uma época.

Segundo Miller[16], Lacan avançou como fundador de uma formação coletiva ao introduzir a dimensão da solidão. Ele não se colocou como o Ideal quando fundou sua Escola, mas se relacionou com o Ideal de uma causa em sua dimensão solitária. “Não é uma coletividade sem Ideal, mas uma coletividade que sabe o que é o Ideal e o que é a solidão subjetiva.”[17] O Ideal da causa analítica e a solidão de cada um com ela. Foi o modo de Lacan interpretar o coletivo.


[1]Lacan, J. [1972-1973] O Seminário, livro 20: mais ainda. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p. 98.

[2] Erick Leonardo é Analista praticante e participante da Nova Política da Juventude da Escola Brasileira de Psicanálise.

[3] A fórmula do amor, canção de Leo Jaime e Leoni

[4] Gypsy, canção de Lady Gaga

[5] Freud, S. (1907). Escritores criativos e devaneios. E.S.B Rio de Janeiro: Imago, 1950. v. IX.

[6] Miller, J.A. Ler um sintoma. 2011. Disponível em https://ebp.org.br/sp/ler-um-sintoma/

[7]  Moreno, B. G. “As entradas em uma análise: entre a urgência e a paciência”. In: Começar a se analisar. Uma volta a mais. Lacan XXI Revista FAPOL online. Vol. nº14, 29 de maio de 2024. Disponível em: https://www.lacan21.com/sitio/as-entradas-em-analise-entre-a-urgencia-e-a-paciencia/?lang=pt-br

[8]  Nelson Matheus Silva é participante da Nova Política da Juventude da Escola Brasileira de Psicanálise.

[9] Lacan, J. [1964] “O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise”. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p. 57.

[10] Moreno, B. G. “As entradas em uma análise: entre a urgência e a paciência”. In: Começar a se analisar. Uma volta a mais. Lacan XXI Revista FAPOL online. Vol. nº14, 29 de maio de 2024. Disponível em: https://www.lacan21.com/sitio/as-entradas-em-analise-entre-a-urgencia-e-a-paciencia/?lang=pt-br

[11]  Lacan, J. [1964] “O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise”. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p. 61.

[12]  Miller, Jacques-Alain. “A erótica do tempo”. Rio de Janeiro: Escola Brasileira de Psicanálise, 2000, p. 69-70

[13]  Lacan, J. (1945). “O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada”. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

[14] MILLER, Jacques-Alain. Teoria de Turim: sobre o sujeito da Escola. In: Opção Lacaniana online nova série, Ano 7 n. 21, novembro de 2016. p.3.

[15] Idem. p.3

[16] Idem. p.5

[17] Idem. p.7

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