Ler um Sintoma na Época em que o Outro Não Existe
Esse será o tema de trabalho desta diretoria. Pretendemos nos debruçar sobre aquilo que, desde sempre, é o cerne da clínica e da política da psicanálise: o sintoma.
Sabemos que a noção de sintoma tem percorrido um longo caminho, não apenas na psicanálise, mas, se esse conceito trouxe algo de original ao tratamento psicanalítico, é que é através dele que percebemos a relação problemática que o sujeito estabelece consigo mesmo.
O sintoma é o que nos leva a procurar um analista, sendo inicialmente tomado como algo estrangeiro a nós mesmos e que gostaríamos de apagar de nossas vidas. No entanto, para um psicanalista, ele é a expressão de nossa verdade mais íntima e a manifestação de nossa criação mais singular.
Seguindo a linha de trabalho da diretoria anterior, mantemos nosso interesse na clínica contemporânea e acreditamos que essa proposta está em continuidade com as questões levantadas nos últimos dois anos sobre o estatuto do objeto a e o Fantasma.
A via que escolhemos será a de retornar ao ensino de Lacan, sobretudo ao seu último ensino, mas não sem antes percorrermos o que chamamos de momento da primazia do simbólico, guiados pela noção de letra, a fim de renovar o sentido do sintoma, introduzido por Lacan ao modificar a ortografia da palavra ‘sinthoma’[1].
Partimos das seguintes questões: Como podemos recorrer à obra de Lacan na atualidade para interpretar a clínica contemporânea e a emergência dos novos sintomas que surgem neste contexto? Quais laços podemos construir entre política e psicanálise a partir de Freud, revisitado por Lacan, para pensar o mal-estar na nossa civilização? Como isso ajuda na nossa prática clínica?
Gostaríamos que essas questões orientassem também as nossas atividades de quarta-feira, ou seja, que possamos ter apresentações teóricas articuladas à clínica e à atualidade.
Para apresentar este projeto de trabalho, faremos um breve percurso com o objetivo de situar essas questões e fundamentar o ponto em que desejamos chegar. Optamos por um percurso cronológico, estruturado em três tempos distintos, embora saibamos que essa seja apenas uma forma de apresentação, e não uma cronologia que reflita uma evolução.
Qual a diferença entre interpretar ou decifrar e ler um sintoma?
Tempo 1- Sintoma formação do inconsciente, escrito hieróglifo, letra como elemento simbólico, gozo do sentido.
Lacan comparou Freud a Champollion[2], pai da egiptologia, responsável pela decifração dos hieróglifos. É verdade que Freud faz referência aos hieróglifos, particularmente em seu texto “A Interpretação dos Sonhos”, onde indica a importância da escrita e do deciframento para a psicanálise[3].
A interpretação-decifração sempre esteve no centro da psicanálise, desde que Freud começou a dar importância a elementos que pareciam insignificantes, como os sonhos, os lapsos e os atos falhos, que ele chamou de formações do inconsciente.
E o que são as formações do inconsciente? O que elas dizem?
O problema é que elas não dizem obrigatoriamente o que parecem dizer. Sob o texto manifesto, há um conteúdo latente que podemos alcançar por meio de uma operação inversa àquela que o produziu – decifrar algo cifrado.
Há um querer dizer que o sujeito desconhece, e que aprendemos a interpretar como um rebus, uma escrita. O elemento do rebus é um signo significante, mas, para decifrar essas formações, cada sujeito, além da língua que fala, possui uma língua singular, e, portanto, sua tradução também é singular.
Ao contrário das outras formações do inconsciente, como o sonho, que é fugaz, o sintoma se caracteriza por sua permanência; ele se repete e faz sofrer. Nesse tempo 1, o sintoma está ligado ao sentido e ao desejo de saber, permanecemos na lógica significante. (A materialidade do significante).
Tempo 2 – Sintoma Repetição, escrita como resto, gozo do objeto, letra tanto elemento simbólico como receptáculo de gozo
Quando Freud interpreta um sonho, ele busca um sentido e um desejo que o sonhador desconhece, mas ele também assinala que, em um certo ponto do sonho, que ele chama de “umbigo”, há sempre um resto incompreensível, fora de sentido, que persiste e resiste à interpretação.
Nesse ponto, a interpretação não pode ser somente uma leitura deciframento, mas sim uma leitura que envia para além do sentido. Por mais paradoxal que possa parecer, essa leitura visa reduzir o sentido.
Se, para Freud, a pulsão sempre se satisfaz, para Lacan, ela determina o modo e as coordenadas do gozo, estabelecendo consequências diretas sobre o estatuto do sintoma. O essencial do sintoma reside na repetição. Não está no simbólico – como uma mensagem a ser decifrada, uma mensagem dirigida ao Outro, ou como palavra – nem no imaginário, mas no real, justamente porque ele tenta inscrever aquilo que não existe e retorna sempre ao mesmo lugar. (enquadre fantasmático)
Em O Outro que Não Existe, [4] Miller e Laurent afirmam que o sintoma possui uma parte variável e uma parte fixa. A parte fixa é o apego pulsional do sintoma, enquanto a parte variável é sua inscrição no campo do Outro.
Ler essa fixação de gozo só é possível entrelinhas; ela não é capturada pelo sentido. O que se escreve sobre o gozo é o real no ponto em que ele não mente. O paradoxo reside no fato de ser um real que qualifica algo que não existe. O sintoma seria, então, uma mentira sobre o real? Ou, até que ponto o sintoma é sincero? Retomaremos essa questão mais adiante.
Tempo 3 – Sintoma Iteração, escrita selvagem do gozo, letra nome de gozo, (gozo excesso)
Se no tempo 2 se procurava um elemento fixo e constante do sintoma na abordagem do objeto a e a significação a ele anexada no enquadre da fantasia, a ênfase aqui é dada ao S1, significante primeiro que designa uma experiência de gozo fundadora do acontecimento de corpo, um corpo que se goza. O sintoma é um acontecimento de corpo.
O último ensino de Lacan privilegia o significante separado da significação e destaca o caráter contingente do significante e seu efeito de gozo no corpo, experiência fundante do qual o sujeito nada sabe. Há o Um, independente da fala e da linguagem e seu efeito no corpo é opaco ao sentido.
A insistência e reiteração do Um não se confundem com a repetição como automaton, ou seja, o objeto perdido ativando permanentemente a simbolização da ausência pela via da permutação significante. A repetição do Um é correlata à repetição como tiché, o real inassimilável do trauma[5].
Miller[6] designa a reiteração do Um como “escrita selvagem do gozo”, escrita do Um sozinho, fora de qualquer sistema significante, ao passo que o S2, saber do qual ele seria correlato é apenas suposto.
Temos sons e letras, fala e escrita. Miller [7] afirma que é nesse espaço, entre o falar e o ler, que a psicanálise opera. Ele propõe separar, de um lado, o sentido e, de outro, a escrita; o ser e a existência; o sentido e o fora do sentido.
Essa separação implica uma não-relação entre os dois, um corte radical. O sentido sempre remete a uma marca, enquanto a existência (o Um da existência) se liga a um efeito de escrita e não de significação. Se existe uma lógica entre eles, ela é contingente.
O gozo é rebelde às mudanças, assim como o sintoma. Por isso, é preciso tempo e um consentimento para essa leitura. Esse gozo que itera está sempre lá, movimentando, a diferença do gozo capturado pela fantasia que está sempre no mesmo lugar. Continuidade e descontinuidade.
O Outro Não Existe
Como operar com o que se apresenta como um contínuo? Como encontrar um interstício nesse contínuo de excesso, de forma a abrir um espaço para a palavra do ser falante? E como essa palavra pode romper com esse contínuo de excesso?
Vivemos hoje o colapso da imago paterna, antecipado por Lacan em Complexos Familiares[8], de 1938, que já prefigurava a realidade de nossa época, a qual alguns autores queer chamam de pós-patriarcal.
No Avesso da Psicanálise[9], Lacan aborda essa dimensão do gozo além da função do pai. Em Televisão[10], ele sugere que a desintegração lenta e progressiva da ordem simbólica levaria à emergência de fantasmas inéditos, uma vez que o “A” já não pode mais situar o gozo.
A queda do Outro resulta na ascensão de fantasmas inéditos, mas também de sintomas inéditos, pois o fantasma é o ponto de origem de todos os sintomas.
Esses fantasmas inéditos se manifestam nas transformações fluidas do corpo sexuado, quando o Outro já não fornece um indicador claro do que é ser homem ou ser mulher. (Como exemplo: “homem pode dar à luz”.)
Outro reflexo dessa previsão lacaniana é a ascensão das adições, onde um mal-estar não consegue se organizar em sintoma e expõe um gozo desarticulado da ordem simbólica.
Nesse contexto, também observamos o aumento dos diagnósticos de psicopatologias, particularmente o da hiperatividade, um sintoma cada vez mais generalizado entre crianças.
Uma das demandas contemporâneas se formula frequentemente como uma aspiração para suprimir o real que perturba, sem que, portanto, o enigma do sintoma engendre a hipótese de uma causalidade que envolva o sujeito. A ciência e as práticas normativas que oferecem soluções padronizadas encontram, nesse contexto, sua adesão.
Na clínica, percebemos ainda o aumento das fobias difusas nos adolescentes, especialmente em relação ao encontro com o outro sexo, ou mesmo a recusa a esse encontro, onde a função simbólica do falo é adiada — não como procrastinação, mas como uma estratégia para contornar o significante fálico.
Esses movimentos, que se situam no vazio deixado pela função paterna e pela função fálica, são claros indicadores de um desarranjo quanto ao gozo em nossa civilização.
Esses efeitos decorrem da inconsistência do “A” nos três tempos do sintoma, um processo ainda muito vivo. Não podemos afirmar que o sentido tenha se dissipado, nem que a repetição tenha desaparecido; ao contrário, ambos se apresentam de outra forma, mais rígidos, não mais como fugidios, mas como rigidez, consequência de um imaginário endurecido. Como, então, promover a abertura do sentido? Como permitir a fuga do sentido?
Como tratar esse excesso de gozo? Amor x crença
Para trabalhar com o sintoma, é necessário, antes de tudo, acreditar nele. F.Leguil [11] propõe tencionar o sintoma e o fantasma, pois, enquanto o primeiro consiste em um “mentir verdadeiro”, o segundo é um “mentir falso”. O fantasma é o que impede o sujeito de dar crédito ao sintoma, pois, como bem vimos na discussão em nossa seção no ano passado, o fantasma organiza toda a vida do sujeito, cobrindo a verdade. Dizemos que ele enquadra a realidade, uma mentira que obtura a questão da verdade, enquanto o sintoma é uma mentira que abre a uma verdade – uma mentira para se defender e para gozar.
O amor ao sintoma está ligado ao amor ao saber que é o inconsciente, e a visada de uma cura consiste em fazer com que essa crença não esteja mais ligada a esse amor. O percurso consiste, então, em levar o sujeito a preferir o “mentir verdadeiro” de seu sintoma, essa necessidade que o limita, ao “mentir falso” do fantasma, essa instituição que cobre e fecha a relação com a verdade. Que tipo de crença estamos nos referindo nesse ponto e que tipo de amor? Seria aqui o que chamamos de amor mais digno?
O sintoma está organizado como uma necessidade de recalcar o fantasma, colocando assim o desejo a serviço de uma defesa que isola o real. O fantasma fornece ao sujeito a ilusão de que ele pode se virar com o objeto que o significante é incapaz de nomear. Ele se apresenta como um saber fazer com o real do gozo, um saber fazer com o objeto que convém ao gozo do A (Perverso).
Através da construção e da travessia do fantasma, o trabalho analítico consiste em cortar a cumplicidade gozosa do sintoma com seu axioma fantasmático.
Esgotado o sentido, poderia o sujeito crer enfim que seu sintoma é a marca de sua singularidade absoluta, seu sinthoma, que poderá se reduzir a uma letra, a um nome de gozo.
O sinthoma, como aquilo que confere ao sujeito seu estilo, será, a partir de então, o que o representa no real. Saber no real?
Ocupar-se do gozo, aparelhá-lo com os semblantes e com a lei é o trabalho de uma política, a nossa política: aquela que toma o sintoma como um instrumento, ligado à utilização do efeito da linguagem que é o desejo.
Pretendemos dedicar os próximos dois anos de trabalho ao estudo desse conceito e demonstrar, em nossas atividades, como a leitura do sintoma, nesses três tempos distintos, opera em nossa prática. Queremos mostrar de forma borromeana, por meio de articulações teóricas e passagens clínicas — seja de nossa própria prática ou de casos já estabelecidos — como sustentar e dar continuidade às questões levantadas por este argumento.
Veridiana Marucio
Diretora geral da seção SP
[1] Miller,J.A. Uma Fantasia. Conferência de Jacques Allain Miller em Comandatuba. in https://2012.congresoamp.com/pt/template.php?file=Textos/Conferencia-de-Jacques-Alain-Miller-en-Comandatuba.html consultado em março de 2025.
[2] Entrevista de Jacques Lacan ao jornal L’Express In:https://lavrapalavra.com/2021/04/13/entrevista-de-jacques-lacan-ao-jornal-lexpress/
[3] Freud é Cristóvão Colombo!
Dr. Lacan –… se você insiste em uma comparação, Freud seria Champollion! A experiência freudiana não está no nível da organização dos instintos ou das forças vitais. Ela apenas os encontra praticando, por assim dizer, em uma segunda potência.
[4] Miller, J.-A. (2005). O Outro que não existe e seus comitês de ética. Rio de Janeiro: Zahar.
[5] Maron,G. In: http://www.opcaolacaniana.com.br/nranterior/numero7/texto5.html.acessado em março de 2025.
[6] Miller, J.-A. (2011). Curso de orientação lacaniana “O Ser e o Um”, aula VI de 9 de março de 2011 (Inédito).
[7] Miller, J.-A. (2011). Ler um sintoma. Texto estabelecido por Dominique Helvoet. Disponível em: https://ebp.org.br/sp/ler-um-sintoma/?utm_source=chatgpt.com, acessado em março de 2025.
[8] Lacan, J. (1938). Os complexos familiares na formação do indivíduo. In: Outros Escritos (pp. 29-90). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
[9] Lacan, J. (1992). O Seminário, Livro 17: O Avesso da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
[10] Lacan, J. (2004). Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
[11] Leguil, F. (2003). O Sintoma. São Paulo: Editora Escuta. P 40-70.
Proposta de trabalho da Diretoria de Cartel e Intercâmbio
(Biênio 2025-2027)
O cartel tem relação com a sociedade contemporânea na medida em que atesta seu mal-estar, aceitando não seus valores mas sua presença[1]. Miller diz que já havia, na leitura de Lacan sobre os grupos operativos de Bion, a perspectiva do declínio da função paterna. Diante dos “poderes sombrios do supereu” do pós-guerra, a estrutura de funcionamento do grupo proposto em 1946 já era o “alcance dos princípios da ação lacaniana na esfera social”[2]. Para Miller, o cartel é “uma micro-sociedade”[3] analítica que subverte o modo de funcionamento das outras sociedades ditas psicanalíticas. Um jeito de ir mais além do Nome-do-pai, sabendo se servir dele.
O mais 1 do cartel coloca em marcha o esvaziamento do lugar do mestre. Ou seja, aquele que faz essa função não é tanto uma pessoa, mas um lugar de estrutura[4]. No cartel, a relação entre a transmissão e o saber não passa pelo ensino suposto de um mestre[5]. Assim, com o “caráter funcional do mais-um, o cartel interpreta uma tendência contemporânea dos grupos sociais formados horizontalmente”[6].
De outro lado, o cartel é o próprio meio pelo qual o trabalho se realiza na Escola. Trata-se de demonstrar em ato a transmissão da psicanálise, e por consequência o reconhecimento de um trabalho de Escola[7]. Então destaco o saber construído num cartel de duas formas: favorece a elaboração de saber e o ato da transmissão. A submissão de um produto de cartel à Escola pretende que esse saber retorne a ela, mas também permite que ele esteja submetido a críticas e controle.
Aí está a dobradiça: o cartel em seu controle externo “atesta [e interpreta] a relação do discurso analítico com a sociedade”[8]. Mas ele também faz um controle interno na própria Escola, no momento em que esse saber em forma de produto é endereçado a ela. Esse é o modo possível de o discurso analítico estar na sociedade e tratar o real desses vínculos no coletivo[9].
O cartel se “acopla à prática analítica do analista, e a contrabalança”[10]. Assim, ele enoda o discurso analítico em três vertentes: sua articulação com o social, a Escola e a própria posição do analista. A força interpretativa de um cartel está tanto no interior da Escola, quanto na leitura das mudanças dos vínculos sociais contemporâneos[11].
A atual Diretoria de Cartel e Intercâmbio da EBP publicará, em breve, um novo número do Boletim Dobradiça sobre o tema do Intercâmbio. Enquanto isso, proponho ler a junção dos significantes Cartel e Intercâmbio da seguinte maneira: como a transmissão de um saber em psicanálise se dá no social quando o Outro não existe? Como discutimos um caso clínico com profissionais que não são da nossa comunidade? Como se dá a transmissão da psicanálise lacaniana em outras instituições, como universidades, por exemplo? Assim coloco em causa, no desejo de saber, a transmissão da psicanálise nas vertentes da clínica e do ensino para além de nossa comunidade. Como disse Brousse: “não sabemos nada sobre Lacan, nem sobre a psicanálise, e isso não tem importância, não sei nem se eu colocaria como condição a se ter que fazer uma análise. Provavelmente não. Eu não colocaria nenhuma condição para fazer um cartel, além do desejo”[12].
Desde já agradeço o aceite de cada um dos integrantes desta Comissão:
- Eliane Costa dias
- Emelice Prado
- Francine Negrão
- Jefferson Nascimento
- Licene Garcia
- Maria Veridiana Paes de Barros
- Patrícia Bichara
- Romulo Ferreira
- Rosângela Turim
- Rubens Berliz
- Síglia Leão
Também proponho no calendário das quartas-feiras uma atividade sobre o dispositivo de cartel, no segundo semestre deste ano. Além disso, daremos continuidade ao “Procura-se Cartel” em um sábado pela manhã. Por fim, anunciamos a Jornada de Carteis na seção São Paulo: dia 6 de dezembro, presencial.
A Escola trata o sintoma, e o cartel trata o sintoma da Escola. Quanto a mim, ocupando a função de Diretora de Cartel e Intercâmbio da Seção São Paulo – inscrita em um tempo determinado – me sirvo de uma frase em que Miller falava dos carteis: “um sozinho nada pode. Quando se está só, o melhor é conservar as tranças”[13]. Assim, agradeço minhas parceiras de Diretoria, Camila, Jovita e Veridiana, e o Conselho Técnico pelas trocas.
Abril de 2025
Mirmila Musse
Diretora de Cartel e Intercâmbio EBP-SP 2025-207
[1]Miller. J-A., La Clinique Lacanienne. Cours du Mars 1982
[2] Fuentes, M. J., Fratura no Coletivo, In: Cartel, novas leituras, São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise. 2021. p. 116.
[3] Miller. J-A. El banquete de los analistas, Buenos Aires, Paidós. 2010 , p..142
[4] ibid
[5] Miller. J-A. El banquete de los analistas, Buenos Aires, Paidós. 2010 , p.p.217
[6] Mandil, R. Escola, cartel e passe, In: Cartel, novas leituras, São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise. 2021, p. 98
[7] Miller. J-A. El banquete de los analistas, Buenos Aires, Paidós. 2010 , p.208
[8] Miller. J-A. Introducción a la clínica lacaniana. Conferencias en España, edición digital: RBALibros, S.A., 2018. 255
[9] Miller. J-A, El banquete de los analistas, Buenos Aires, Paidós. 2010 , p.144
[10] Ibid.
[11] Mandil. R., Relatório apresentado na reunião anual do Conselho da AMP. 2016
[12] Brousse. M-H., Sobre o Cartel Fulgurante. In: Manual de cartéis. Escola Brasileira de Psicanálise. Scriptum. p. 55
[13] Miller, J.-A. A Escola ao avesso, In: Cartel, novas leituras, São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise. 2021, p. 29
Proposta de trabalho da Diretoria de Biblioteca (Biênio 2025-2027)
“Para que uma biblioteca? Isso poderia ser perguntado para todo trabalhador decidido do Campo Freudiano”[1]
Tomo esta frase de Judith Miller sobre as bibliotecas como uma orientação de trabalho. Vivemos em um mundo onde estamos submetidos na era digital e somos engolidos pela pressa e prontidão para obter acesso ao que queremos de forma rápida e fácil, e os livros não ficam de fora desse ínterim. As palavras e-book e Amazon se tornaram dominantes no nosso meio a partir de 2010 e isso poderia ser um exemplo da onipotência fomentada pelas máquinas.[2] Certamente, não se trata de negar o avanço da era digital e nem de dispensar os benefícios de termos um acervo eletrônico de livros e artigos à nossa disposição.
Desse modo, a questão que se coloca é: o que uma biblioteca pode oferecer de diferente em relação a um acervo digital?
Djamila Ribeiro em uma reportagem intitulada, “Revolução das bibliotecas comunitárias”, para o Jornal Folha de SP de 3 de janeiro deste ano, traz um dado que desde 2015, o Brasil fechou 1.500 bibliotecas, enquanto em um projeto em Parelheiros, na zona sul de São Paulo, abriram quatro. “O país fecha biblioteca, a gente abre; o país perde leitor, a gente aumenta. Apesar das dificuldades, as bibliotecas comunitárias resistem”.
Miller[3] faz uma analogia entre a biblioteca e o cemitério, afinal os livros não falam. Em contrapartida, afirma: a biblioteca tem um espaço para que os nossos corpos possam vir, ao passo que nós representamos o significante falando, e nos livros temos o significante escrito. Por isso, precisamos do leitor para que a biblioteca possa se tornar viva e não apenas um cemitério para alocar os livros.
Em Lacan hispano[4] uma rubrica intitulada Judith, a presença de um desejo… Anna Aromí diz: “Judith e os livros formavam um par-sintoma reconhecido por todos, mas também transmitia que os livros não são somente objetos a serem produzidos, movidos ou feitos para vender, os livros são condensadores de política, por assim dizer, objetos que acumulam libido analítica de alta densidade”. Se os livros são condensadores de libido analítica da política de uma Escola, como vivificar o espaço da biblioteca da Seção SP para que os livros encontrem o seu leitor? A quem se dirige uma biblioteca de psicanálise de Orientação Lacaniana nos tempos de hoje? Quem é o nosso leitor?
Roberto Calasso, autor do livro Como organizar uma biblioteca é certeiro sobre o único caminho possível que uma biblioteca ou livraria podem ter de diferente em relação ao acervo digital: é o contato físico com os livros, sendo que o importante é que o leitor possa encontrar os livros que procurava e descobrir o que não sabia estar procurando. Assim, a aposta seguirá por essa via, como passar do significante escrito do livro, à priori morto, para o significante da fala, o leitor.
A Diretoria de Biblioteca da Seção SP, para este biênio, dará continuidade às atividades que vêm sendo feitas pelas diretorias anteriores e contará com algumas outras. Mas antes de apresentá-las, gostaria de agradecer a Camila Popadiuk pela generosa transmissão de trabalho na passagem para esta diretoria e pelas conversas sobre o desafio de ocupar esta função.
A Revista Carta de São Paulo terá como editor Gustavo Oliveira Menezes e Sandra Grostein como consultora. O Conselho Editorial será composto por mim, Paola Salinas, Silvia Sato e Tatiana Vidotti.
A atividade Noite de Biblioteca irá manter a interlocução e o debate em torno das publicações do Campo Freudiano. No dia 11/06/23 teremos a primeira atividade intitulada “Publicações – Qual o lugar da Revista em uma Seção?”, juntamente com o lançamento da última Carta de São Paulo “Objeto a e fantasma”. Camila Popadiuk será a convidada e Márcia Stival animará o debate.
Na atividade Leituras de Biblioteca leremos dois textos de Freud, Os caminhos da formação de sintomas (1917), passando para Inibições, Sintoma e Angústia (1926). A escolha foi feita em consonância com a proposta de trabalho desta Diretoria, “Ler o sintoma na época que o Outro não existe”. A atividade terá início neste primeiro semestre e acontecerá mensalmente às sextas-feiras, ainda com data de início e horário a serem definidos.
Manhã de Leitura acontecerá pelas manhãs aos sábados e contaremos com a presença de um convidado que lerá um texto dentro do espaço da nossa biblioteca com o intuito de vivificar esse lugar. Teremos duas datas ao longo deste ano.
Uma nova modalidade de Intercâmbio será realizada através do trabalho do bibliotecário Felipe Salles Silva com a Biblioteca Mário de Andrade e as bibliotecas das Universidades públicas e particulares de São Paulo. O objetivo é propor uma parceria para que elas possam ter no acervo os números da Carta de São Paulo. Assim, com as publicações estando em outros lugares da cidade, algum leitor poderá encontrá-la, e então, vamos poder expandir a frase que Lacan deu através da primeira publicação, chamada Scilicet, que significa “você pode saber”, para você pode saber o que pensa a Escola Brasileira de Psicanálise, Seção São Paulo.
Desejo a todos um ótimo trabalho!
Camila Colás – Diretora de Biblioteca EBP-SP 2025-2027
Comissão de Biblioteca 2025-2027
- Andressa Contó Luz
- Ana Maria de Almeida Guerra
- Aparecida Santa Clara Berlitz
- Bianca Wierman
- Cláudia Regina Santa Silva
- Fernanda C. Gomes de Carvalho
- Felipe Salles Silva (bibliotecário)
- Francisco Durante
- João Paulo Desconci
- Luciana Ernanny Legey
- Priscila Tavares Viviani
- Rodrigo Camargo
- Responsável pelo site: Ruth Galvão
[1] MILLER, J. Editorial, Colofon, n.1. primavera de 1991, p.3
[2] CALASSO, R. Como organizar uma biblioteca. São Paulo: Companhia das Letras, 2023, p.124-125.
[3] L´expérience d´une analyse ». Disponível em : L’expérience d’une analyse. Jacques-Alain Miller. 30-09-2010. – YouTube
[4] AROMÍ, A. Lacan hispano. Olivos: Grama Ediciones, 2021, p.544. Tradução livre.