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Escola-Sujeito “Ano Zero”
Maria Bernadette Soares de Sant´Ana Pitteri
(EBP/AMP)
No dia 24 de junho de 2017, Miller surpreende ao dizer que “tudo começa sem ser destruído para ser levado a um nível superior”, “Ano Zero”, novo começo para o Campo Freudiano, aufhebung hegeliana que levaria à “Escola-Sujeito”.
A dialética hegeliana pressupõe conservar o que existe para superá-lo, num movimento de espiral ascendente. Quando determinado, o momento do Espírito Universal gera contradições e a dialética as absorve, o que possibilita o advento de um novo momento. O espírito de nosso tempo está prenhe de contradições e Miller propõe um movimento dialético na Escola de Lacan, conservando o que existe para elevar a um nível superior: o “Ano Zero” da Psicanálise que inclua a “Escola-Sujeito”.
Lacan funda sua Escola para restaurar o fio cortante da verdade de Freud, não apenas repetindo, mas indo além, servindo-se do existente para um passo a mais. Em 1980, ele mesmo dissolve sua criação, pois a mesma desrespeitava os princípios para os quais havia sido criada. Foi um “Ano Zero”, recomeço.
Miller propõe a dialética do compromisso, originalmente em Heidegger de Ser e tempo e explorada na filosofia existencialista. O compromisso supõe escolha, o que faz herético o que escolhe[1]. Heresia tem sentido de escolha através das preferências do sujeito, o que enraíza as escolhas do gozo no corpo – no sinthoma.
A posição herética e o compromisso contradizem a ideia de uma posição analítica neutra. Quando Freud fala da não escolha do analista no nível da escuta, pois a atenção flutuante deve corresponder à associação livre, não propõe que o espaço social seja manejado como indiferente. O analista não escolhe no exercício da escuta, mas não é indiferente na cura, pois o desejo do analista “não é um desejo puro”[2]: o analista escolhe porque tem uma ética e não uma moral, o que inclui a política.
Lacan diz: “Melhor pois que renuncie (à prática analítica) quem não possa unir a seu horizonte a subjetividade de sua época”[3]. Para ele (com Hegel), cada época tem sua subjetividade, o que implica em que a mentalidade, a vida social, intelectual e cultural têm em comum o mesmo espirito: a época é um limite não ultrapassável, pois constrange o pensamento. Saltos ou antecipações ocorrem, mas há coerência no conjunto, a que se agrega a noção da subjetividade.
É da subjetividade e não de uma subjetividade, porque o sujeito não é o indivíduo: o conceito lacaniano de sujeito supõe o “inconsciente estruturado como uma linguagem” e remete à política; “o inconsciente é a política”. Ao falar da “realidade transindividual do sujeito”, Lacan demonstra que a subjetividade de uma época tem sentido por ser transindividual e desse ponto de vista, cada um é igual ao outro, um e outro são prisioneiros da mesma época, imersos que estão na mesma dialética temporal.
Ao falar do final de análise como ascese subjetiva do analista, Lacan diz que: “nunca seja interrompida, pois o final de análise didático não é separável da entrada do sujeito em sua prática”. Para Miller, é o esboço do que será o passe e de um final de análise com uma posta em ato do que se adquiriu na análise.
O ato de Miller ao propor a “Escola-Sujeito” ocorre no momento em que o movimento dialético de nossa época tentou impedir a liberdade de falar, de se reunir. Foi o colocar em ato algo do saber da Ética da Psicanálise, o que poderia ser o passe da Escola-Sujeito, que não se ausenta da política.
[1] Heresia, grego airesis, tem o sentido de assumir, tirar, pegar, escolher por voto, eleição; preferência, inclinação, gosto particular; preferência por doutrina, escola, seita religiosa, partido político, facção. (In: Dicionário Grego/Francês A. Bailly, p. 47).
[2] LACAN, J. O Seminário, Livro 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro, Zahar.
[3] LACAN J. “Função e campo da fala e da linguagem”. Escritos, Jorge Zahar, RJ, 1998, p. 322.