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Um pequeno ensaio sobre o ódio
Maria de Fátima S. Luzia (Associada ao CLIN-a)
“Não se odiaria, se não se tivesse que se odiar a si mesmo ao mesmo tempo”
Nimier 1951
O que nos faz odiar?
Amar e odiar demais, signos de um tempo que nos mostram o quanto podemos ser mortíferos na relação com esses afetos.
Em sua “Introdução ao Narcisismo”, Freud desenvolve sua teoria ao redor de um lugar mítico de puro prazer, onde as pulsões se satisfazem autoeroticamente. Mas logo nos convoca a pensar que este lugar aloja também o desprazer e é através dele que o dentro e o fora se estabelece, esse excesso hostil de libido liberada retorna e é percebida como estranha e invasiva.
Lacan aponta que o ódio tem um excedente que vai além da relação imaginária, dizendo que ele é mesmo o que mais se aproxima do ser onde se situa a ex-sistência; nasce juntamente com o sujeito na sua entrada na linguagem, que é traumática e que o marca em sua existência de ser na forma de repetição.
O sentido original do ódio designa essa relação com o mundo exterior alheio e portador de estímulos; assim o exterior, o objeto, o odiado, seriam idênticos no início, se depois o objeto é fonte de prazer, podendo ser amado, novamente vai coincidir com o alheio e odiado. O amor antes derivado do Eu originário de prazer, aqui é pensado como posterior ao ódio na relação narcísica com o Outro.
Freud nos relata que quando a relação com um objeto de amor é rompida, não é raro o ódio tomar o seu lugar, como objeto estranho e invasivo.
Como podemos articular os modos de gozo e seus afetos excessivos com o Outro da modernidade?
Lacan nos dirá que o laço social é realizado pela via de quatro discursos; no entanto, o discurso capitalista apresenta um funcionamento diferente, o sujeito se consome completado pelo objeto a, não há resto, não passa pelo circuito pulsional.
Que consequências tem esse discurso no modo de gozo atual?
Amar e odiar demais são premissas modernas que deixam o sujeito no transbordamento de seu gozo e cada qual vai dar um tratamento singular a isso.
Aniquilar, humilhar o outro, tem sido comportamentos corriqueiros de adolescentes atendidos num Capsi. O prazer em ver o outro fragilizado, atemorizado, se torna um objeto precioso para seu ato de terror.
Suicídio, anorexia, violência, toxicomania, games: são modos de gozo que esses adolescentes buscam para estar no mundo, ou fora dele?
Rafael, menino abandonado na caçamba quando bebê; ser esse resto se torna o seu dito. Menino fotógrafo, que tem em suas imagens destorcidas algo de singular, estranho e belo, mas sua satisfação pulsional não se encontra aí.
Roubar, bater, humilhar, estuprar… o colocam no lugar do objeto resto da caçamba que insiste em repetir de forma mortífera, mas ao tentar destruir o outro é a si mesmo que destrói.
Indagado sobre esse lugar, produz um desenho onde, entre uma cadeira e um banco para duas pessoas, há uma fogueira; o seu lugar é o do Um, não sentaria no banco pois há o risco do outro ocupar o lugar ao lado. A fogueira arde entre o lugar do Um e o do Outro, que se encontra vazio. Refratário à palavra, o lugar do Um parece ser sua escolha. Hoje vive nas ruas de São Paulo.
Lacan toma a ideia do discurso que deve ser considerado um laço, que aponta uma rede articulada de significantes e, portanto, faz referência a construir algo sobre uma falta.
Como podemos pensar o ódio na relação de um discurso totalizante, que não é construído sobre uma falta?
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Lacan, J. O Seminário, livro 20 mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Freud,S. “Sobre narcisismo: uma introdução”. Obras Completas de Freud. Vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago.
_______ “Os instintos e suas vicissitudes”. Ibid.
_______ “O mal estar na civilização”. Ibid. Vol. XXI.