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Supervisão e passe: descontextualizados da experiência analítica
Maria do Carmo Dias Batista (EBP/AMP)
A “Proposição de 9 de outubro de 1967” está inscrita em um contexto científico, como aponta Miller nos capítulos XXI e XXII de “O Banquete dos Analistas”(1). Esta inscrição permitiria à “Proposição” ser avaliada em termos de fracasso ou sucesso, bem como a experiência do passe dela decorrente.
Lacan, no Seminário 24(2), identificado à escrita joyceana, atribui o fracasso à experiência do passe, pois o elemento de “iniciação” tendia a prevalecer sobre o científico e uma espécie de “comunhão da verdade” – criticada por ele por oposta à verdade mentirosa, conceito relativo ao passe trabalhado em 1976(3) –, poderia vir a substituir a transmissão inspirada na ciência.(4) O passe é um procedimento de avaliação da experiência de uma análise e responde à ambição de inscrever a psicanálise na ciência, declinada “com todas as suas letras na Proposição”(5). A psicanálise, não sendo inefável, mas uma experiência de fala, tem estatuto científico.
O estatuto da psicanálise como inefável a coloca apartada. É a extraterritorialidade da psicanálise e dos psicanalistas, alijados da transmissão científica atual, dominada por gadgets. A marca da exclusão atinge os psicanalistas e os psicanalistas amam a segregação!(6)
Há um incomunicável na experiência analítica, porém a entrada e o final da análise são passíveis de formalização. Trata-se de entregar o íntimo com palavras, e ser interpretado, o que se restringe ao consultório do analista, a uma situação que Lacan chamou de convencionada, em que aparecem as emergências da verdade.
Como tirar do contexto as emergências da verdade? As verdades válidas na experiência podem estar tanto no contexto da análise como descontextualizadas. Fora do contexto, podem se dar de forma teórica, na literatura e na ciência, ou prática, na supervisão e no passe.
Na supervisão, a experiência vai para uma situação cuja convenção é completamente diferente. O passe é uma descontextualização prática inventada por Lacan que se liga a um dispositivo construído, vinculado à experiência analítica. Ambos se prestam a um tratamento simultâneo e comparativo. Na supervisão, toma-se o texto sem o paciente e, no passe, sem o psicanalista. O passe é um tipo de supervisão: o paciente no passe faz supervisionar seu analista! A supervisão supõe que o essencial de uma análise seja preservado como relato, ainda que o analista supervisor não compartilhe com o supervisionado o contato vívido com o paciente.
No passe voltamos a encontrar o elemento da mediação, de maneira calculada. O dispositivo do passe implica uma interposição, materializando a transmissão ao encarnar o mensageiro, o mediador.
Da mesma forma que o supervisor não vê o paciente, o cartel do passe não vê o candidato e o passe parece modelado segundo a prática da supervisão. O paciente em geral não está informado de que o analista supervisiona seu caso. No passe, o candidato não se relaciona com psicanalistas como tais. Ambas as práticas evitam “instituir” o psicanalista do psicanalista. Na experiência analítica, entretanto, o sujeito não deve tratar com outro psicanalista. Existe o psicanalista do psicanalista na experiência analítica, indicando que não se faz uma análise sem relação com a psicanálise, ela é parte do contexto da experiência.
O final da análise e o dispositivo do passe, este fora do contexto, modificam essa relação, marcando o predomínio da instituição, da Escola de Lacan, na saída da análise. O passe vai do contexto (consultório do analista) para fora do contexto (cartel do passe – Escola – público).
Isso se pareceria com as etapas da ciência para atingir/outorgar seus graus: mestrado, doutorado, livre-docência?
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1 MILLER, J.-A. (1989-1990) El Banquete de los analistas. Buenos Aires, Paidós, 2000, p. 380.
2. LACAN, J. (1976-1977) O seminário – livro 24. L’insu que sait de l’une-bévue s’aile à mourre. Lição de 12 de fevereiro de 1977. Inédito.
3 LACAN, J. “Prefácio à edição inglesa do Seminário 11”. In: Outros Escritos, Rio de Janeiro, JZE, 2003, p. 569.
4 MILLER, J.-A. Op. Cit., p. 380.
5 Idem, p. 383.
6 MILLER, J.-A. Op. Cit., p. 383.