Kátia Ribeiro Nadeau - Associada da CLIPP “Minha alma tem o peso da luz. Tem o…
#Orientação – Um início de reflexão: conexões e desconexões em Psicanálise
Por Maria Cecília Galletti Ferretti
O tema das VIII Jornadas da EBP-SP, Amor e sexo em tempos de (des)conexão, aponta para o que, na psicanálise, se insere no campo da conexão e no campo da desconexão. Afirmar, já em seu título, que teríamos uma desconexão, por assim dizer “especial”, em nossos tempos, leva-nos a pensar em aspectos relevantes do próprio corpo teórico-clínico psicanalítico que apontam para esta desconexão.
Vejamos a seguinte afirmação de Lacan: “De cada vez que estamos na dialética da pulsão, outra coisa comanda. A dialética da pulsão se distingue fundamentalmente do que é da ordem do amor como do que é do bem do sujeito” (1). Salientemos que Lacan refere-se a uma desconexão, a uma não ligação estabelecendo assim uma diferença entre pulsão, amor e bem. Notemos que o amor é um conceito presente em nosso tema.
Mas, perguntemos novamente trazendo para o nosso cenário a importância deste conceito tão relevante: o que é a pulsão, o que é o seu “mistério”? Inserida no limite entre o psíquico e o somático trata-se do encontro da palavra com o corpo; inscrevendo-se no inconsciente na medida em que faz um percurso pela cadeia significante, havendo, no entanto, algo nela que não se inscreve, algo que não entra no inconsciente, algo que não é simbolizável.
Quanto à satisfação da pulsão, paradoxalmente, há desprazer e é o que Lacan chamou gozo.
O gozo inclui a satisfação pulsional e, nesta medida, inclui o corpo, a zona erógena, o somático, o corporal, pois Lacan descreverá as formas do objeto a, todas elas ligadas ao corpo e seus orifícios. O amor tem a característica de dar sentido e o nome de gozo apresenta uma significação além do sentido. “O “Homem dos lobos” não tem nada a ver com Serguei Petrov, e não tem nada a ver tampouco com a função do Nome do Pai. É seu nome de gozo” (2). Também o “Homem dos ratos” mostra, por sua vez, o corpo tomado pela pulsão e pelo gozo através do mal: o suplício dos ratos é a prova. Não se trata aí do amor.
Sobre o amor as últimas páginas do Seminário 20 apresentam um quase elogio a ele: Lacan refere-o ao que se passa na relação do ser ao ser (que nunca é de harmonia), perguntando-se se a abordagem do ser não seria o verdadeiro amor. Refere-o também a uma relação entre dois saberes inconscientes, como o afrontamento diante de um impasse, como coragem diante de um destino fatal, como ilusão. Antes destas palavras finais Lacan abordou o amor (ainda tendo como referência o Seminário 20) de várias maneiras, questionando o “nós dois somos um só” declarando que é uma forma “grosseira de dar à relação sexual, a esse termo que manifestamente escapa, o seu significado”(3). Questionará a saída do narcisismo pelo amor. Fará ainda uma enfática desconexão entre o sexo e o amor!
O caminho está aberto para uma outra desconexão bastante conhecida na psicanálise: a “não-relação sexual”: “Ter superado o horror ligado ao fato de que não há relação sexual, saber que há esse furo e que o amor lhe faz suplência, pode com efeito, ter consequências, até mesmo aquela de tornar o amor mais digno do que a tagarelice que dele se produz a todo instante para o barco sexual”(4). Este enunciado ao mesmo tempo em que mostra o horror diante do fato de que não há relação sexual, afirma que há saída, que há uma suplência a ser realizada.
O tema de nossas Jornadas ao inserir o tema do contemporâneo, incluindo aí os meios que hoje o fala-ser tem à sua disposição para conectar-se, aponta também, sem dúvida, para a questão de investigar em que medida a “realidade virtual”, que tanto se desenvolveu com a Internet, conecta ou desconecta os sujeitos.
Investiguemos de que maneira a resposta da psicanálise é capaz de, através das desconexões que aponta, amenizar a satisfação paradoxal que assola o fala-ser, seu “sofrer demais”(5). Como mostra Lacan no Seminário 20, “a realidade é abordada com os aparelhos do gozo” (6) e “este gozo a gente recalca” (7) pois “como gozo, ele não convém”(8) . Esta resposta da psicanálise aplica-se ao contemporâneo, também ele, em tempos de desconexão.
Citações:
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Lacan, J. O Seminário, Livro 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar Editores 1979, p. 196.
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Miller, J.A. Comentario del seminário inexistente. Buenos Aires: Manantial, 1992, ps.30-31.
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Lacan, J. O Seminário, Livro 20, Mais, ainda. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982, p. 64.
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Naveau, L. “Não-relação sexual”. In: Scilicet: Semblantes e sinthoma. Associação Mundial de Psicanálise. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise, 2009, p. 230.
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Lacan, J. O Seminário, Livro 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de janeiro: Zahar Editores 1979, p. 158.
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Lacan, J. O Seminário, Livro 20, Mais, Ainda, Rio de Janeiro: Zahar Editores 1982, p. 75.
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p. 83.
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