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O analista, sua prática e sua época
Patricia Badari
(EBP/AMP)
O significante “Ano Zero” é uma interpretação. Uma interpretação de J.–A. Miller sobre o que se passou em 2017 no Campo Freudiano, mas também em seus últimos anos. E esta interpretação tem efeitos na Escola Una e no discurso analítico. Pois, “algo foi questionado no fundamento mesmo do discurso analítico”[1].
E se uma interpretação, em um segundo tempo, “tem o efeito de significação para esclarecer um enunciado, um texto a desenvolver”[2], pretendo desenvolver o que Miller nos traz com Lacan sobre o analista, sua prática e sua época. Uma prática, cujos “meios são os da fala, na medida em que ela confere um sentido às funções do indivíduo”[3]. Uma prática, cujo “campo é o do discurso concreto, como campo da realidade transindividual do sujeito”[4]. E uma prática cujas “operações são as da história, no que ela constitui a emergência da verdade no real”[5].
Uma prática que exige do analista “alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época”[6], da qual ele próprio participa. A subjetividade que é transindividual, que não é a subjetividade de um indivíduo, de outro e de outro… Trata-se, da dialética transindividual, pois, “o desejo que o sujeito visa decifrar é sempre o desejo do Outro (…)”[7].
Lacan nos dá o exemplo dos três prisioneiros[8], que são três indivíduos, porém enganchados um ao outro, o que constitui a subjetividade prisioneira. Quer dizer, se constitui a subjetividade prisioneira e não uma. Pois, um é igual ao outro “na medida em que um e outro são prisioneiros da mesma época e estão comprometidos na mesma dialética”[9].
E nossa época atual? Nela “não podemos subestimar a verdadeira natureza do supereu, sua exigência pulsional e seu poder ilimitado (…). (E) neste estado de civilização, a pulsão revela ainda mais sua face mortal”[10].
Logo, vemos mais e mais o retorno deste gozo. No entanto, o psicanalista em sua prática não diz sim ao empuxo ao gozo. E tampouco diz não. Pode-se querer mais gozo. Mas, também, pode se querer a particularidade do sintoma. Há estas duas possibilidades.
Neste sentido, nossa época requer ainda mais uma análise, um analisante, um desejo do analista, uma Escola. Requer um analista que componha a subjetividade de sua época, em sua prática; que reduza o campo das identificações; que promova cada vez mais a separação entre o Ideal e o objeto a; que faça com que o real insista; que constitua lugares onde alguns traços da particularidade do sintoma possam tomar a palavra; requer um analista que creia, sobretudo, no sintoma. Que se deixe seguir interrogado pela prática analítica. Que siga “apegado ao terra-a-terra do sofrimento, que interrogue a vida em seu sentido (…) – mas para dizer que tem apenas um, onde o desejo é carregado pela morte”[11].
E quem não conseguir alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época, que renuncie à prática da psicanálise, como nos disse Lacan.
[1] MILLER J.-A. Primeira aula do Seminário de orientação lacaniana. 24 de junho de 2017, Paris.
[2] Ibid.
[3] LACAN J. “Função e campo da fala e da linguagem”. Escritos, Jorge Zahar, RJ, 1998, p. 259.
[4] Ibid.
[5] Ibid.
[6] Ibid.. 322.
[7] BROUSSE M.-H. O inconsciente é a política. EBP-SP, 2003, p. 17.
[8] LACAN J. “O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada”. Op. cit.
[9] MILLER J.-A. op. cit.
[10] LAURENT É, A Sociedade do Sintoma. A psicanálise, hoje. Contra Capa, RJ, 2007, p. 171.
[11] LACAN J. ”A direção do tratamento e os princípios de seu poder”. Op. cit. p. 648.