#06 - OUTURBRO 2023
Esp de um Riso
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Marisa Nubile
Associada ao CLIN-a
Participante da comissão de referências bibliográficas
(…) há uma relação muito intensa, muito estreita, entre os fenômenos do riso e a função do imaginário no homem. A imagem tem, como tal, um caráter cativante, que vai além dos mecanismos instintivos que lhe são correspondentes, como evidencia a exibição, seja ela sexual ou de combate. A isso vem somar-se, no homem, um toque suplementar, que se prende ao fato de que a imagem do outro, para ele, está muito profundamente ligada à tensão de que falava há pouco, e que leva a que ele seja colocado a uma certa distância, conotada de desejo ou hostilidade. Nós o relacionamos com a ambiguidade que está na própria base da formação do eu e que faz com que sua unidade fique fora dele mesmo, com que seja em relação a seu semelhante que ele erija, e com que ele encontre aquela unidade de defesa que é a de seu ser como narcísico. É nesse campo que o fenômeno do riso deve ser situado.[1]
Lacan retoma a ambiguidade da relação dual com o semelhante (desejo e hostilidade) que está na base da formação do próprio eu. O riso eclode, diz Lacan, numa “libertação da coerção da imagem”[2], ou seja, quando aquilo que se supunha encontrar na bela forma é, de alguma maneira, descontinuado. Nesse sentido, ele dá o exemplo do riso produzido quando vemos alguém levando um tombo.
Como podemos observar, o riso enquanto fenômeno, está neste momento do ensino de Lacan, essencialmente relacionado à dualidade imaginária, não sem que o simbólico esteja implicado. Mesmo que seja uma concepção datada, parece interessante retomar o riso por esse viés, uma vez que ela nos remete à formação do eu e ao narcisismo, como ele mesmo pontuou no verbete selecionado.
Lembremos que em seu texto princeps O estádio do Espelho[3], de 1949, Lacan faz referência à assunção jubilosa da criança diante da imagem especular. Nos anos seguintes ele trabalhará a questão da formação do Eu ideal, ideal do Eu utilizando vários esquemas óticos. No Seminário da Angústia, ele retoma, mais uma vez, a experiência do espelho ressaltando a constituição do ideal do Eu no espaço do Outro simbólico exatamente no momento em que a criança vira a cabeça para o Outro “a fim de comunicar com um sorriso as manifestações de seu júbilo por alguma coisa que a faz comunicar-se com a imagem especular”[4].
Há uma potência do olhar, para o melhor e o pior. Há o júbilo diante da imagem unificada do corpo, mas o olhar no espelho pode também ser angustiante uma vez que esta totalidade tem um limite. Há um resto, um menos não especularizável.