Kátia Ribeiro Nadeau - Associada da CLIPP “Minha alma tem o peso da luz. Tem o…
#Amor e Sexo – Fazer laço, fazer par
Por Lucila M. Darrigo
Não se faz mais casal como antigamente.
Não se trata de nostalgia mas de uma constatação.
O que mudou? O que mudou na civilização contemporânea que afetou os diferentes semblantes de casal de outrora? Semblantes, claro, porque, em tempo algum, um casal de seres falantes se formou regido por leis naturais de encontro entre os sexos.
A utopia heterossexual de “antigamente” se definia pela crença em um pai que distribuía os sexos e que garantia que ela, fêmea, havia sido feita para ele, macho, em uma correlação direta com o princípio da ordem natural ou mesmo de uma ordem justa, esclarece Laurent em “Sociedade do sintoma”.(1)
A ciência desorientou nossa relação com o outro. No contemporâneo, nenhuma norma consegue estabilizar o “empuxo a gozar”. Não se busca mais a felicidade como queriam os iluministas. Hoje, as relações estão atravessadas pela busca de um gozo que seja o definitivo.
A prática da psicanálise se ocupa dos sujeitos em sua singularidade. Por isso mesmo, nos interessam as modalidades de encontro entre dois seres falantes, não importando qual seja o sexo deles.
No Seminário 20, Lacan diz que quando se ama, não se trata de sexo e que a ligação sintomática entre um homem e uma mulher – o amor – vem suplementar a não-relação sexual. São duas colocações que nos provocam a pensar…
A ideia de parceria que aparece mais para o final do ensino de Lacan, e que é levado adiante por Miller, nos orienta. Christine Alberti diz que fazer par vai mais longe do que o amor. “Não é necessário amar ou desejar para fazer parceria. Podemos fazer par em torno de uma causa, de um objeto comum, do ciúme, bem como de uma separação.”(2)
Para dissimular a não-relação, cria-se uma multiplicidade de laços e o parceiro do sujeito não é o outro sexual enquanto tal. Desta forma, na clínica, trata-se de se questionar e verificar o parceiro de gozo com o qual o sujeito joga sua partida.
O real é a não-relação e o encontro comporta sempre algo de auto-erótico, solitário, autístico. O gozo é sempre auto-erótico no sentido de que se goza no próprio corpo e não no corpo do outro.(3)
Se o gozo é auto-erótico, como conceber o laço com o outro?
A relação com o outro está sempre mediada e passa necessariamente, no melhor dos casos, por um sintoma.
A novidade do último ensino de Lacan, retomado por Miller, é que o sintoma se inscreve a partir da “não-relação sexual” como “acontecimento de corpo” antes de mais nada.(4)
Então, o conceito parceiro-sintoma vem responder ao problema da inexistência do outro pela via do corpo justamente porque a referência ao corpo é ineliminável.(5)
Não há como tirar o corpo fora.
Em seu curso “Parceiro-sintoma”(6), Miller esclarece como Lacan chegou ao conceito de parlêtre:
Gozo do corpo e gozo do significante estão conectados. São dois aspectos da mesma coisa. Não existe, para o ser falante, gozo antes do significante. É justamente esta concepção do significante conectado ao gozo do corpo que leva Lacan a substituir o sujeito por parlêtre.
O par sujeito-Outro de até então é substituído pelo par parlêtre-parceiro-sintoma, um parceiro de gozo.
Cada um tece seu nó(*)
Orientada pelo desenvolvimento de Patricia Bosquin-Caroz(7), vamos pensar no que faz laço, no que conecta dois parlêtres.
Alguma coisa da ordem do real, do impossível, faz obstáculo ao acesso direto ao outro. Desta maneira, cada um passa necessariamente por um terceiro termo que faz mediação, junção, conexão entre um e outro.
Dentre os conectores, temos especialmente:
– o falo, o mais clássico, quando homem e mulher se relacionam com o significante fálico mas de maneiras diferentes: o homem na vertente do ter e a mulher do ser. Esta é uma mediação sempre manca, além de o falo ser um obstáculo ao encontro;
– um objeto pulsional, onde cada um se ligará ao objeto pulsional de seu fantasma, do qual o parceiro será o suporte. A melhor expressão deste tipo de conexão encontramos no Seminário 11: “Eu te amo mas porque, inexplicavelmente, amo em ti algo mais do que tu – o objeto a minúsculo, eu te mutilo.”(8)
Atualmente, podemos fazer par com objetos de uma natureza totalmente diversa, espécies de derivados dos objetos pulsionais. Diferentemente do objeto pulsional que assegura um modo de relação de um com outro, o objeto gadget revela cruamente o irredutível da não-relação.
Só é possível fazer par – isso que tem sempre um caráter enigmático para cada um – pela invenção.
Como não há relação, a psicanálise reintroduz o amor no centro de seu discurso. Fala-se de amor em uma análise e é falando que temos a oportunidade de inventar um laço com o outro.
A fórmula de cada casal/par é inventada uma a uma.
Fazer par passa por uma contingência pois, como destaca Lacan no Seminário 20, “aí não há outra coisa senão encontro, o encontro, no parceiro, dos sintomas, dos afetos, de tudo que em cada um marca o traço do seu exílio da relação sexual.”(9)
Dois parlêtres fazem par, cada um falando a língua de seu inconsciente. Há encontro quando as línguas singulares ressoam. São ligações inconscientes. Quando o nó sintomático se tece, o par se faz.
Dito de outro modo, o par se faz a partir de seu sinthoma, com aquilo que de lalangue marcou cada um. Se a relação sexual não existe, se não há fórmula que a escreva, a ligação sintomática, esta sim, existe. O sintoma faz laço.
No texto “O laço entre o amor e a coragem”(10), Fernanda Otoni esclarece de forma clara e articulada o que faz laço: “ao encontro do real do gozo com a miragem do objeto é preciso incluir um ponto de basta – o selo de um significante qualquer que o localize, o fixe, o ordene junto a um corpo que tende a escapar.”
“O falo é esse conector privilegiado mas qualquer gambiarra que venha no lugar tem função de amarração. É o que a clínica do parlêtre nos ensina.”