Niraldo Santos (Associado da CLIPP) Como o mais-um um pode ser um agente provocador e,…
O amor à verdade e o desejo do analista
Maria Cecília Galletti Ferretti
(EBP/AMP)
Dentre os temas tratados por Jacques- Alain Miller em sua primeira aula do Curso de psicanálise de 24 de junho de 2017, saliento aquele referente à questão da verdade em sua articulação com o desejo do analista.
Gostaria de iniciar este pequeno comentário com uma referência ao Seminário 17 – O avesso da psicanálise, e mais especificamente aos capítulos intitulados “A impotência da verdade” e “ O poder dos impossíveis”.
Lacan cita aí o texto de Freud, Analise terminável e interminável, afirmando que para Freud, neste momento, caberia ao analista não esquecer que “a relação analítica (…) está fundada no amor à verdade (…)”[1]. Lacan, já de posse de sua conceituação do real como impossível, vai apontar para outra direção, afirmando que o analista não deve se interessar, nestes termos tão incisivos, pela relação do analista com a verdade. Lacan já anunciara a irmandade da verdade com o gozo e com igual força dirá que “(…) é tentador sugar o leite da verdade, mas é tóxico (…)”[2].
Feitas estas referências aos importantes desenvolvimentos levados a cabo por Lacan no referido seminário acima citado, podemos ver como Jacques-Alain Miller liga o tema do amor à verdade ao desejo do analista. Miller parte da afirmação de Lacan no texto ”Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola”: “O desejo do analista é sua enunciação, a qual só pode operar se caso venha ali na posição do X….”[3].
Miller nos diz que há uma eleição no que se trata de obter. Quais os pontos destacados que seriam mirados pelo analista ao longo de uma análise? Se, num primeiro momento, o analista engaja o analisante na articulação do sintoma com o significante, por outro lado, trata-se de colocar a ênfase sobre “a defesa contra o real sem lei e fora do sentido”. Com efeito, o inconsciente transferencial é uma defesa contra o real. Se, em sua última formulação sobre o inconsciente, Lacan o caracterizou como real, a operação analítica vai contra o inconsciente, trata-se do término do inconsciente transferencial. Assim, é ao final de uma análise que o inconsciente como real tem sua presença garantida, demonstrando uma satisfação alcançada e a desistência da eterna busca do sentido.
Concluo, então, com uma afirmação de Jacques-Alain Miller na aula aqui comentada: “o analista não é indiferente, nem é aquele que não elege porque tem uma ética. Lacan desenvolveu uma ética da psicanálise que admite que na posição mesma do analista há uma eleição. Assinalemos que o termo ética não é uma moral e inclui a política”[4].
[1] LACAN, J. O Seminário, Livro 17, O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1992, p. 157.
[2] Idem, p. 175.
[3] LACAN, J. “Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista de Escola”. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 257.
[4] MILLER J.-A. Seminário de Orientação Lacaniana. 24 de junho de 2017, Paris.