Kátia Ribeiro Nadeau - Associada da CLIPP “Minha alma tem o peso da luz. Tem o…
# Rumo ao Encontro Brasileiro – A mãe, uma figura que não se adéqua aos paraísos fálicos.
Por Clara M. Holguin
“A mãe, uma figura que não se adéqua aos paraísos fálicos”, é o nome que dei à intervenção que farei em minha passagem pelo Rio de Janeiro (em direção a Santa Catarina), onde tentarei fazer conversar as Jornadas da EBP e as Jornadas da NEL. Como articular “A queda do falocentrismo” e “Que mães hoje”? Este convite, além de colocar a trabalho os diferentes modos nos quais os psicanalistas do continente leem as mudanças próprias de nossa civilização e seus efeitos, propõe um laço inovador entre nossas escolas.
Promover a conversa entre os temas de nossas Jornadas dá conta de uma articulação possível entre o enfraquecimento do Nome do Pai, que tem – entre outras consequências – a queda do falocentrismo, os novos ordenamentos familiares e identificatórios das novas versões da mãe na contemporaneidade, onde se revela o desdobramento entre a mulher e a mãe que permanecia velado até o momento em que Lacan o evidenciou.
Graças aos avanços científicos agenciados pelo mestre capitalista, as mães de hoje são mulheres que não se adéquam aos paraísos fálicos, elas mostram sua face “mulher”. Produz-se um deslocamento que, em nossos termos, situa a passagem do falo simbólico ao falo real.
Poderia se dizer que tanto o primeiro ensino de Lacan como o último dá conta disso, porém é o último ensino que explicita o engano do primeiro. Se, num primeiro momento, constatamos que a equação da metáfora paterna introduz, no início, o gozo feminino sob a forma do Desejo da Mãe (DM) que ficava velado na significação fálica, no último, Lacan demonstra que a Metáfora Paterna é só um engano a respeito do enigma do gozo que exclui o sentido. As mães hoje – não todas – aparecem sem amarração fálica, põem em evidência este gozo opaco, que na clínica se apresenta através de relações cada vez mais devastadoras.
A maternidade, como experiência libidinal, põe em jogo a presença desse estranho desejo, I wanted! Mais do que uma falta, trata-se de um gozo a mais, um excesso que se define por ser suplementar e infinito. Marca da experiência de gozo no corpo que remete ao estrago da lalingua que uma mãe pode encarnar sob a forma do rapto: “a mãe é uma raptora de corpos”[1].
Quais são as consequências para um sujeito (criança) desse estrago estrutural, que se traduz hoje no que MH Brousse denomina a “extensão do império materno”, mães sozinhas, solteiras, que se bastam a si mesmas, sem mediação fálica? Poderia se dizer que este sujeito está cada vez mais na posição de objeto do desejo da mãe. A sua alternativa parece mortal: ou a rejeição ou a integração do seu produto.
O que acrescenta a via psicanalítica? Ao contrário do retorno nostálgico ao pai, e sem desencorajar a igualdade dos direitos e as reivindicações femininas nas quais se incluem escolher ser ou não ser mãe (grupo NoMo-Not Mothers), o discurso analítico propõe a via propriamente feminina como solução, isto é, a não rejeição da posição feminina. Passar da crença no pai à crença em uma mulher (sem cair de novo na crença em um gozo universal).
Como assinala E. Laurent, o discurso feminino introduz em todas as tentativas de uniformização e identificação, que estão do lado da lógica fálica – o Um e a exceção – um registro do particular e do singular que não se reduz ao individualismo de massa dos uns sozinhos. Entre as formas femininas que dão conta dessa objeção encontramos: a falta – manque/faute – que caracteriza a “mãe do cuidado”, o estilo erotômano do amor feminino que Lacan chamou “o narcisismo do desejo”, isto é, o amor pelo desejo e a solução que abre para a mulher a possibilidade de “ser sintoma de outro corpo” que supõe que ela tenha diversas formas sintomáticas de fazer condescender o gozo ao desejo, a sua exigência de amor implica sempre na busca de um partenaire-sintoma. Todos são diversos modos de fazer existir o singular e contrariar a devastação, pois são formas de fazer laço com o Outro.