O esp de um ato Niraldo de Oliveira Santos (EBP/AMP) Chegamos ao último Boletim Travessias.…
O psicanalista (em ato) e os restos sintomáticos
Camila Colás Sabino de Freitas
No argumento para estas Jornadas, Psicanálise em Ato, Luís Fernando Carrijo da Cunha nos lembra, com Lacan, que “a tarefa do psicanalista é a psicanálise e o ato é aquilo mediante o qual o psicanalista se compromete a responder por ela e que não há psicanálise onde não há psicanalista (…) eis porque o ato, em Lacan, ganha a dimensão política”[1].
Se a tarefa do psicanalista é a psicanálise e o ato é pelo o que o psicanalista se responsabiliza, trazer os restos sintomáticos para pensar o psicanalista (em ato) é fundamental para pensar a dimensão política da psicanálise. Lacan, em alguns momentos do seu ensino, lembra como Freud até o final da sua vida não encontrou resposta para a pergunta “o que quer uma mulher?”. No seminário[2] sobre o ato psicanalítico Lacan, retoma a questão de Freud “o que quer uma mulher?” para dizer que é justamente pela ausência de resposta que Freud fez um psicanalista.
Vale lembrar que o psicanalista é aquele que chegou ao final da análise pela passagem de analisando para psicanalista, através do ato analítico. No entanto, essa passagem não é sozinha, ela vem acompanhada do real do sintoma, esse que jamais é eliminável. Uma passagem que só se dá pela experiência e pelos encontros com os restos sintomáticos. Esses restos dos quais Freud, na sua época, verificou serem um grande obstáculo em conseguir reduzi-los ao final da experiência analítica.
Freud[3] em “Análise terminável e interminável” sobre como tornar-se analista, se pergunta onde o praticante conseguirá essa “qualificação” e logo diz “(é) na análise de si mesmo (…) e a função dela é cumprida quando proporciona ao aprendiz uma firme convicção da existência ao inconsciente”. Freud também presta solidariedade ao analista pelas difíceis exigências que ele tem de cumprir ao exercer sua atividade, colocando o se analisar ao lado das três profissões, como “impossíveis”, pois, de antemão, o resultado do final de análise será insatisfatório. Aqui, Freud já vislumbrava o fracasso da psicanálise pela não resolução do sintoma.
Miller[4], no texto “Ler um sintoma”, lembra como Freud percebeu a persistência do sintoma depois da interpretação e que denominou isso como um paradoxo.
De fato, é um paradoxo se o sintoma é pura e simplesmente um ser de linguagem. Quando temos que nos haver com seres de linguagem na análise, nós os interpretamos, isto é, nós os reduzimos. Reconduzimos os seres da linguagem ao nada. O paradoxo aqui é o resto. Há um ‘x’ que resta, ‘para além’ da interpretação freudiana.
Lacan, porém, não recuou diante dos restos sintomáticos e foi além: “o analista não diz stop e o analisante não diz stop” [5]. Aqui tem-se a confrontação daquilo que resta, um ‘x’, e por isso “Freud esbarrou no real do sintoma, no que do sintoma é fora do sentido”.
Brousse[6] refere que os testemunhos dos Analistas da Escola, por meio do discurso analítico, dão acesso à uma feminização para os ditos homens e ditas mulheres por intermédio do sintoma. É pela via da análise levada até o final que “permite que apareça uma identidade sintomal, produzida pelo arrebatamento do gozo no corpo (…) que provém mais do sexual no corpo do que do sexuado no Outro”.
Os AE demonstram, com os testemunhos do passe, o caminho de analisante e também da posição do analista, esses que fizeram valer o desejo do analista de dar lugar ao singular até o final. É possível verificar, com os testemunhos, como o analisante e o analista não disseram stop quando se depararam com os restos sintomáticos no final da análise. Por isso, no seminário 23, Lacan afirma que “não pode conceber o psicanalista de outra forma senão como um sinthoma. Não é a psicanálise que é um sinthoma, mas o psicanalista[7]”. Desta maneira, sustentar uma psicanálise orientada pelo real e pelo sinthoma seria a condição para sua sobrevivência?
Oscar Reymundo, na última Carta de São Paulo[8], cita Lacan: “é preciso que o analista reinvente, a partir do que extraiu de sua própria análise, a maneira pela qual a psicanálise pode perdurar”. Ana Lydia Santiago[9], em um texto apresentado na plenária O amor e o inconsciente ao final de análise, fala do laço que cai no vazio do amor, sendo que o que advém daí é a satisfação, essa que se se extrai do resto: “poder ser sinthoma para acolher outros modos de reposta ao real e produzir experiências do inconsciente para que a psicanálise sobreviva”.
Assim, para poder consentir e saber-fazer com os restos sintomáticos é preciso do psicanalista (em ato) com o seu sinthoma, este que inclui o real, para aí, termos o que ainda pode haver de mais subversivo na psicanálise em sua dimensão política, ou seja, a psicanálise (em ato)!
Mas vale lembrar, ainda com Luís Fernando em uma das atividades preparatórias para estas Jornadas, que “é preciso de muito atos e saltos do Rubicão para se chegar ao ato analítico do final de análise”.