#06 - OUTURBRO 2023
Editorial Boletim Gaio #03
Mônica Bueno
Membro da EBP/AMP
Neste terceiro número do Boletim Gaio, avançamos um pouco mais na nossa caminhada rumo às XII Jornadas da EBP – Seção São Paulo em torno do tema R.I.S.o, que com esta grafia proposta, dá ênfase ao enodamento entre os registros real, imaginário e simbólico. As diversas provocações do argumento apresentado por Rômulo Ferreira da Silva estão gerando seus frutos.[1]
Vários textos presentes nesse número orbitam em torno do Witz, o qual apresenta um importante viés linguístico, mas também coloca em jogo uma economia de gozo, fazendo ressoar no corpo falante outra coisa que o sentido. Uma articulação ao real é colocada por Gustavo Stiglitz, nosso convidado para as Jornadas, ao afirmar que essa economia “apresenta-se em termos de equívoco, escritura e palavra; escritura como redução a respeito da palavra, como acontecimento que marca o corpo, reenganchando o impossível de dizer.”[2]
Na rubrica de textos epistêmicos Escrita Gaia, o texto de Marie-Claude Sureau (ECF) traz a questão do riso no final de análise como uma descarga no corpo, num movimento topológico em um momento de reviramento que envolve lalíngua. Ela faz no seu texto um instigante percurso que passa pela anamorfose, por uma peça de Molière e retoma o familionário, famoso exemplo de Freud, trazendo à tona a aproximação da estrutura da interpretação e do Witz.
Ressonâncias destas dimensões de língua e corpo também estão presentes no texto de Andrea Zelaya (EOL), que ressalta a implicação do corpo, afirmando que “o valor clínico do riso que o chiste gera é sua dimensão disruptiva e de impacto no corpo”. Irrupção contingente que causa impacto no material do corpo. Algo do pulsional é tocado, havendo ressonância e um efeito no Outro. A questão da interpretação também é tocada, ressaltando que tanto o Witz quanto a interpretação se encontram fora da repetição.
Desdobramento desses pontos também estão presentes no texto de Jessica Jara Bravo (NEL), que escreve sobre a inteligência artificial onde não se apresenta a possibilidade de ler entrelinhas. Numa tentativa de propor um chiste ao ChatGPT este responde que não tem corpo para dançar o chat chat chat, somente conseguindo oferecer respostas objetivas. O que a autora desenvolve é que ali não há corpo para ressoar um chiste, ficando restrito a um saber absoluto, empuxo do contemporâneo. O Witz, ao articular algo desviado, torcido, torto, abre brecha para um “saber rir aí” que pode fazer frente a um real.
E por fim, nessa mesma rubrica, encontramos o texto de Mariana G. Ferretti, que seguindo pela linha do cômico nos leva ao mundo de Shakespeare com destaque para a figura do bobo ou fool, do texto Rei Lear. O lugar do fool implica uma ambiguidade, estar dentro e fora, ser dejeto e ao mesmo tempo dizer verdades. O riso como efeito da queda do semblante[3] pode ser evocado. Ao final temos a hipótese de que o fool pode encarnar o falo com toda a ambiguidade que representa.
As questões levantadas sobre o Witz também se articulam aos textos muito interessantes trazidos pelo Eixo Temático 2: O riso e a política, que aborda a tendência no contemporâneo da queda da regulação do gozo pela ordem fálica e seu consequente aumento da segregação. Isso decorre de uma negação dos efeitos do inconsciente, o qual tem estrutura Witz.
Em um Esp de um riso temos a contribuição de Marisa Nubile sobre uma citação de Lacan em relação ao riso e o imaginário, onde o que se articula é a ambiguidade da relação dual. O riso eclode numa “libertação da coerção da imagem”, ou seja, quando a ambiguidade vem à tona.
Na rubrica Estão fazendo arte James Alberto de Moura Valeriano, alinhado à ideia de que “a arte interpreta e transmite o que se passa na cultura”, baseia-se no filme de Almodovar, Fale com ela, para interrogar a questão do desejo e seu caráter perverso, que é “desmascarado na comédia, e não refutado”.
E por fim, temos ainda Acontece na cidade com a indicação da exposição A coleção imaginária de Paulo Kuczinski, panorama da arte brasileira no século XX. “Colecionar ou vender” é a questão que sempre acompanhou Kuczinski, que é marchand e “guiado pela sua paixão apresenta sua coleção imaginária”.
Finalizo com um convite especial: participem destas investigações em torno desse tema bastante rico de nuances e articulações! Inscrevam-se! Escrevam sobre suas questões e contribuam enviando seus textos!
[1] SILVA, R. F. “Argumento”. In: Boletim Gaio 1, 2023. Argumento – Seção São Paulo (ebp.org.br)
[2] STIGLITZ, G. “Witz, o peor”. In: Revista Lacaniana. Buenos Aires: Publicación de Escuela de la orientación lacaniana, año XVI, n° 29, 2021, p. 103 e 106. (Tradução livre).
[3] Ibid. Essa é uma das questões colocadas no argumento.