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O supereu contemporâneo
Resenha: Roy, Daniel. (juin – 2006). “Le surmoi contemporain”. La petite girafe: Psychanalyse avec les enfants: L’ autorité. Paris: Agalma, p. 31-38.
Daniel Roy começa seu texto construindo o cenário da modernidade contemporânea para confrontar-nos com a descoberta freudiana de uma nova criatura cheia de poder e potência, o supereu, o principal ator. Mas, ele não atua sozinho, precisa de atores coadjuvantes: a função do pai, o Outro, as identificações, os significantes, o S1, o a.
Aos deuses da antiguidade, enganados ou desafiados, a sobreposição da nova criatura, produto da ascensão da ciência. Dela, criatura toda-poderosa, o ser humano se torna vítima, a ela sacrifica sua liberdade, oferecendo-lhe servidão voluntária, obediência, permitindo, assim, por ela ser tiranizado. Mas, por que obedecer a um tirano? Sua liberdade, seu desejo? Disso o homem parece não querer saber! Renúncia ao desejo, à liberdade, submissão à lei inexorável, os melhores nutrientes do supereu tirano, que se torna exigente, mau e “guloso”.
O sujeito pensa poder gozar legitimamente, porém o supereu se apresenta interditando-o. Roy explica que mesmo diante da promessa do significante à libido, promessa de manter o lugar que ela merece, não pode mantê-la, por ser interditado, por sua própria ruptura. Então, Roy aponta três características de manifestação do supereu marcadas por Freud com referência ao Outro: primeiro, o vitimizado pela culpa e impotência do Outro; segundo, o deprimido, pela acusação de que o Outro culpado o fez crer em promessas não cumpridas que o levam ao sucesso pela transgressão; terceiro, os criminosos por sentimento de culpa, cujas “patologias sociais” sustentam a lei como “imbecil”, separada do lugar que a norma do pai assegura – adolescentes são um bom exemplo dos que respondem a essa lógica.
Após Freud, cujo supereu é o herdeiro do complexo de Édipo, literalmente o supereu do papai, Daniel Roy nos traz Lacan, cujo ponto de partida é o significante como marca viva do traço de identificação – o acontecimento de corpo traumático, poderíamos inferir -, recebido do Outro que polariza o sujeito e o afeta na escolha de sua posição frente à vida. O supereu, absolutamente contemporâneo, é o conjunto dos traços significantes da história do sujeito aos quais o mais de gozar, pelo qual o sujeito não se responsabiliza, permanece acoplado, e dos quais não consegue se separar. É o pai que aprova essas identificações que respondem pela existência do sujeito.
Temos então, ressalta Roy, de um lado os gadgets do desejo e da demanda oferecidos pelo mestre capitalista, do outro a função do pai em declínio. Esse cenário parece deslocar a questão do supereu. Sua potência se encontra na fusão dos significantes identificatórios coletivizantes e os objetos mais-de-gozar disponíveis no mercado, ou seja, S1 + a, dois elementos que localizam o gozo.
Culturalmente, Roy vê que há uma tendência para essa fusão e nos dá três exemplos: a exigência da “comunicação” que localiza cada um e todos no Outro imediatamente, como se estivéssemos em um reality show coletivo; a depressão elevada ao zênite social, à qual corresponde uma oferta de produtos farmacêuticos, que disponibilizam substâncias gozantes, capazes de tamponar a perda inerente ao gozo do ser falante; o direito à criança – à produção de um bebê -, viabilizada pela intervenção tecnológica, qualquer que seja a idade ou sexo, gerando irrupção de real traumático com consequências para essa criança.
Daniel Roy finaliza seu texto frisando que na sociedade as alianças entre as identificações e o mais-de-gozar comandam o que os sujeitos devem ou não fazer, coletivamente. Verdadeira epifania do supereu. Para lidar com esse contexto social, Roy ressalta que é possível se orientar pelos “três pontos de saída/fuite que estão no horizonte da psicanálise em extensão”, propostos por Lacan em de 9 de outubro de 1967: o primeiro, no registro simbólico, concerne à família nos moldes edipianos e ao direito de criança; o segundo, no registro imaginário, diz respeito à ênfase sobre a função do grupo, e aqui podemos inserir os adolescentes e o lugar dado ao pai ideal; por último, no registro real, a vigilância necessária gerada pelo remanejamento social devido à universalização dos significantes, cuja causa é eliminada pelo discurso da ciência, o endurecimento dos processos de segregação, que levam ao surgimento de campos de concentração onde o ser humano é reduzido, cientificamente, ao estado de objeto.
Bem mais no início do texto, Daniel Roy aponta que, segundo Freud, cabe ao analista levar o paciente a trocar a renúncia a um ganho de prazer por outro modo de satisfação, a possibilitar o enodamento do amor com uma cessão de gozo, demonstrando sua eficácia. Para combater a tal criatura poderosa, o uso inédito da palavra, numa parceria com a transferência. Hoje em dia, porém, a palavra está a serviço do discurso do mestre da ciência e do capitalismo, para, em parceria com a indústria farmacêutica, fazer calar o sintoma, tornando o homem vítima de “abusos” em várias categorias: vítima do trabalho, da ansiedade, da depressão, da perseguição, dos acontecimentos. A psicanálise possibilita que se encontre uma solução sem causar impasse sobre essa fusão do significante e mais-de-gozar, diz Roy antes de encerrar.