Por Niraldo de Oliveira Santos EBP/AMP “Alguns sendo singulares, se ajuntam, e podem ser colocados…
Editorial Boletim Traços #06 – Solidões
Por Heloisa Prado Rodrigues da Silva Telles
Comissão de Orientação das IX Jornadas
EBP/AMP
Se no léxico, solidão, ou solitude, equivale a abandono, isolamento, desamparo, no campo que nos concerne há, notadamente, uma distinção entre estes termos – em psicanálise, trata-se de formalizar aquilo que se engendra a partir de uma práxis. Depois de transcorrido este lapso de tempo – entre o lançamento do tema das nossas Jornadas e a precipitação de sua realização – podemos dizer que temos muitas cartas nas mãos, mas certamente estamos no início da partida! Os textos publicados no Boletim Traços e também – como teremos oportunidade de ver – os trabalhos enviados para as mesas simultâneas evidenciam o interesse em recolher, no campo da cultura, variadas formas de expressão da solidão e suas transformações na época em que vivemos.
Há solidões. As solidões comuns e a solidão que concerne à experiência analítica e ao passe – este último número do Boletim Traços, série magnificamente editada por Niraldo dos Santos e sua equipe, assim nos permite elucidar.
Veridiana Marucio apresenta o livro Ô Solitude, de Catherine Millot – sugerido por Marie-Héléne Brousse na entrevista que fez parte do lançamento das Jornadas (publicada em Traços n. 01). Amante da literatura, a autora recorre a grandes nomes para “abordar este continente criador da solidão”. As palavras de Veridiana, a partir de sua leitura do livro, despertam o desejo de adentrar acerca destas solidões comuns, tais como “essa espécie de felicidade paradoxal que faz preferir sua própria companhia a companhia de outros”. Patrícia Badari, por sua vez, elege Shéhérazade, o filme de Jean-Bernard Marlin, para nos transmitir que um ato, necessariamente, é solitário e que, para o sujeito em questão, este ato engendrou o encontro com o “nome próprio ao objeto a” – localizado no corpo de uma mulher, a causa de seu desejo.
Em “Koan e a solidão do sinthoma”, Fátima Pinheiro nos escreve acerca de como a poética permite a Lacan situar o lugar e a função da interpretação analítica, e seu percurso pelo pensamento, língua e arte chinesas, onde a noção de vazio-mediano ocupará lugar central. Introduz uma nova referência – o Koan, que sustenta o vazio de sentido “a solidão de uma palavra à solidão de outra palavra” nos conduzindo a uma analogia entre esta referência e o confronto, na experiência analítica, com o “primado do Um, mais além do inconsciente”. A solidão intrínseca ao falasser é retomada por Silvia Sato, no último texto que temos o prazer de apresentar, numa interessante perspectiva: nos propõe considerar que “a ruptura do saber na solidão do falasser faz par com a noção de furo e a desordem do sentimento de vida”. Recolhe o termo “junção íntima” de modo a nos elucidar que na experiência analítica a linguagem é um órgão, parasita, fora do vivente que não só permite falar o que não existe, mas também enodar as peças soltas disjuntas.
Concluímos com estes textos que nos acrescentam mais entusiasmo para o trabalho que nos espera – agora todos juntos nas nossas Jornadas, para seguirmos neste work in progress. Deste lugar a mim concedido para escrever este editorial, agradeço os envolvidos na organização das IX Jornadas, e todos, um a um, com os quais podemos ter uma experiência de Escola.