Por Niraldo de Oliveira Santos EBP/AMP “Alguns sendo singulares, se ajuntam, e podem ser colocados…
Do ser à solidão da existência
Por Sílvia Sato
EBP/AMP
Uma das perspectivas que a comissão de orientação dessas Jornadas propôs diz respeito à solidão referida ao falasser[1], para quem o efeito da ausência do Outro é “uma ruptura do saber” e a solidão dá acesso ao “impossível de intercambiar, comunicar, ao que não se pode falar”.
O traço das solidões que proponho parte das ressonâncias da clínica, mais especificamente com uma frase de uma adolescente que me parece apontar para essa ruptura do saber.
“É difícil existir assim”, ela diz ao falar sobre um ponto de exclusão no laço social, frente ao impasse em relação ao outro que a rejeita, apesar de sua tentativa de fazer valer seu modo de existir, resistindo à crítica e à hostilidade que vem do outro. No entanto, escuto que essa frase ressoa mais além do laço que nasce do desejo do Outro, colocando em questão seu gozo, logo sua existência.
Em “O ser e o um” Miller[2] faz uso da experiência analítica com o ultrapasse distinguindo o ser e a existência. Segundo ele o ser está no nível do universal, que como tal é indiferente à existência, enquanto essa está no nível da singularidade.
Ele diz: “É na solidão do Um sozinho que o último ensino de Lacan tem seu ponto de partida: o Um sozinho que fala sozinho”.
Nessa medida, podemos pensar que a existência mais além do sentido da vida, atrelado ao Outro e à fantasia, remete ao que permanece silencioso do sintoma, do que não se faz sintoma e não se pode falar.
Se é no nível da fantasia onde se pergunta ao Outro “Quem eu sou?” e se espera ser desatada a questão do ser do sujeito, no último ensino, que tem como bússola o sintoma, se trata da relação com a existência e com um saber que não passa.
Assim, proponho considerar que a ruptura do saber na solidão do falasser faz par com a noção de furo e à desordem do sentimento de vida, que tem como resposta a saída sintomática frente ao real.
É ao falar sobre a forclusão que Lacan[3] localiza a desordem na junção mais íntima do sentimento de vida do sujeito, momento em que na estruturação subjetiva, frente à falha na função paterna, encontra o furo no lugar da significação fálica.
Segundo Stiglitz[4], “Uma vez enunciado “junção íntima”, já não há como voltar atrás em um ponto: a vida dos seres falantes, seus laços, suas paixões e satisfações são feitas de peças soltas, que de alguma forma devem ser juntadas”.
Assim, para Stiglitz, a experiência analítica com a psicose ordinária nos ensina que não existe uma definição muito precisa e é essa imprecisão que nos permite escutar o singular, o dissonante em si e faz ressoar o que marca o singular.
Nesse caminho o sintoma é iteração, um acontecimento que permanece, segundo Miller[5], autossimilar e remete à identidade de si a si.
Deste modo, na experiência analítica a linguagem mais além de comunicar, é órgão, um parasita fora do vivente que não só permite falar sobre o que não existe, mas também permite ao falasser enodar aquilo que, como Stiglitz[6] aponta, são peças soltas, disjuntas.
Podemos nos perguntar como se enodam essas peças soltas ligadas ao sentimento de vida? Segundo Lacan[7], a vida é um nó e está no real, de modo que não se sabe mais além de que se goza da vida.
Em tempos atuais onde os sintomas indicam uma tendência ao autoconsumo, com o triunfo do objeto sobre os ideais, resta a questão sobre como cada um pode enodar a vida de modo a sustentar a própria existência.
Entendo que a experiência analítica é em si uma resistência à massificação, a universalização, na medida em que tem em sua prática a manutenção dessa solidão do Um sozinho e da singularidade. Resta em cada encontro ou em cada experiência analítica, sustentar um desejo onde o analista segue o analisando em sua invenção, em seu modo de enodar os semblantes a partir do real, para viver a pulsão, sem abrir mão de si e do que dá valor à própria existência.