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O passe, a Escola, a ciência¹
Gustavo Oliveira Menezes (associado CLIN-a)
Em “O banquete dos analistas”(2), Miller indaga a possibilidade de uma abordagem científica da Psicanálise, ambição de Freud e Lacan. A própria Psicanálise nasce no contexto do cientificismo do século XIX e toda a tradição pós-freudiana parece ter partido desse ponto para se dirigir à ortodoxia institucional. Desta prática científico-religiosa, chegou-se ao tema fundamental do final de análise, o qual Lacan também aborda e se coloca frente a uma tradição incapaz de formular a questão.
Miller ressalta que, para Lacan, o meio pelo qual se opera a análise é pela ação da palavra e desta tiram-se os resultados. Lacan fará assim uma crítica à posição do analista, o que depende de uma elaboração de seu meio e resultado analítico. Exemplo disso é toda a formulação do conceito de desejo do analista.
A palavra atua sobre o inconsciente, sobre o não saber, ao passo que o saber está na estrutura da palavra. Uma vez que o inconsciente se apresenta como significante sem sentido, ao associar-se à palavra, esta lhe dá o sentido do qual estava privado, o que leva Lacan à formulação do inconsciente estruturado como uma linguagem. Assim, desde Freud percebe-se o deciframento infinito do inconsciente, sendo este uma transfinitização da palavra. Nesse ponto, Miller ligará ao passe enquanto “transfinitização do dito” e dirá que o inconsciente transfinitizado é marcado por uma mudança de registro que leva da inscrição à escritura.
O sujeito suposto saber que se instaura em uma análise é contrário à transfinitização. Sendo o inconsciente ligado a um não-dito, o sujeito suposto saber é o que liga ao não sabido que permanece ativo pela infinitização da palavra, do deciframento do inconsciente. Para a Psicanálise, o que se visa é a dissolução desta suposição e sua redução ao que lhe dava consistência. Os que levaram sua análise até o final testemunham essa operação.
Há sempre implicado uma falta de significante, o que descompleta sempre a cadeia. A escritura é o que designa a série significante como sempre insuficiente – sempre falta ao menos um – o que é traduzido por S(Ⱥ). Encontra-se assim um significante fora da série, que só aparece a partir de um marco que a encerra, mesmo que continue sua produção. Há ali uma invenção que liga ao passe, ao atravessamento e instauração de um marco. Portanto, a transfinitização do inconsciente remete a algo que da associação já caiu, como no final de análise. Vemos isso no exemplo de Domenico Cosenza: “caio porque a terra treme”(3).
Tem-se, portanto, que a solução significante que se extrai da experiência analítica é um saber, é uma invenção que pode ser transmitida, ponto do qual Miller afirma que Lacan apela à “verificação científica do final de análise”. Porém, Miller ressalta que essa solução em termos de saber não diz nada da solução em termos de desejo, de uma modificação subjetiva.
Lacan colocou em evidência que o analista é parte do contexto da experiência analítica, o que o passe comporta: ao final, têm-se um analista. Isso se opõe radicalmente à demanda didática para se tornar um analista, direcionando automaticamente o candidato do consultório à instituição. Para Lacan, essa demanda, inclusive no início da análise, deve desaparecer, o que o leva a estabelecer outro laço com a comunidade analítica. O passe seria, portanto, a contrapartida dessa entrada institucional. O peso recai sobre a saída da análise, o que depende de uma Escola. Dali em diante, se abre ao público científico, onde se é possível ensinar, transmitir. Estariam colocadas assim as condições para uma ciência?
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1 Pontuações a partir da atividade “Conversações da orientação lacaniana” de 19/09/2018 sobre os capítulos XXI e XXII do texto “O banquete dos analistas” de Jacques-Alain Miller.
2 MILLER, J-A. “El banquete de los analistas”. Buenos Aires, Paidós, 2010.
3COSENZA, D. “Oui”. Testemunho de passe realizado em 29/08/2018 na EBP – Seção São Paulo.