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GIACOMETTI – IMPLOSÃO DO OLHAR
Fernando Prota
Membro da EBP e da AMP
O próprio, o particular, da arte moderna do século XX é o profundo questionamento da noção de representação. A partir dessa particularidade, interessa ao psicanalista se deixar tocar pela questão: qual é o modo singular, a afirmação criativa com a qual cada artista responde a algo que o ultrapassa após essa queda da representação?
A resposta que encontramos na obra de Alberto Giacometti nos acerta em cheio. Localiza-nos naquele ponto entre o arrebatamento e o estranhamento, levando a sensação de presenciar uma obra que toca algo de absolutamente fundamental e totalmente fugidio ao mesmo tempo.
Giacometti promove uma “implosão” da representação revelando não uma essência por traz da representação, mas uma “existência”, que para ele se situa singularmente no nível da percepção, principalmente do olhar, mais precisamente na incidência do impossível no campo do olhar. Aí se situa sua “Das ding”, experimentada como furo incontornável, atormentador, para o qual é imprescindível encontrar uma solução.
Acossado pela invasão “obsessiva” da impossibilidade da representação no espaço tridimensional euclidiano, enxergando cada vez mais os ínfimos detalhes de qualquer objeto, levando a divisibilidade do espaço ao infinito, ele encontra sua saída singular: incorporar em sua escultura a própria distância, uma distância absoluta[1] (Sartre). De onde se olhe a escultura, mesmo de muito perto, mesmo que se a toque, ela se mantém à distância. Seu engenho é a elongação das figuras e uma superfície tortuosa, com uma “irregularidade” irremediavelmente humana. Distância que nos remete a um não-lugar estranho e tão familiar. Um furo no simbólico que remete ao “não-lugar próprio ao Real que institui a própria dignidade de uma obra de arte”[2].
Para Giacometti, esta singularidade do olhar, sua indivisibilidade, é solidária do fundamento de seu objeto privilegiado: o ser humano. Para ele o ser humano só pode ser tomado como “corpo vivo”, sendo a “única unidade verdadeiramente humana: a unidade do ato” (Sartre). Assim, as esculturas de Giacometti nos apresentam a experiência de uma “unidade viva”, “em ato”, com a fugacidade que lhe é própria (sendo o efêmero gesso seu elemento preferencial). Homens, mulheres, cabeças, que são uma verdadeira encarnação da imanência.
Solidária, ainda, à apreensão Giacomettiana da realidade é a percepção aguda e cotidiana do “totalmente desconhecido”. Diante dos modelos que posam para seu olhar, “todos são “iguais”, porque, simplesmente, entre movimento e estagnação, tudo é diferença, tudo é singular, tudo é má forma”[3]. A diferença absoluta como objeto comum ao humano, como comum-unidade. Penso em quanto isso pode nos ensinar numa época tomada pelo empuxo a identidade e a segregação. Parafraseando Eric Laurent: permanecer alguns minutos em frente a uma obra de Giacometti pode ser um verdadeiro “laboratório de desidentificação”.