BOLETIM ELETRÔNICO DAS XI Jornadas da EBP - Seção São Paulo Local das Jornadas: Meliá…
UMA JOIA INTRAMUROS
Maria do Carmo Dias Batista
AME, membro da EBP e da AMP
Estou falando com as paredes [Je parle sux murs] é um pequeno livro, último da série dos pequenos livros Paradoxos de Lacan, lançada pela Zahar no Brasil entre a primeira e a segunda década dos anos 2000 e dirigida por Judith e Jacques-Alain Miller.
Estou falando com as paredes reúne três aulas do Seminário O saber do psicanalista, proferidas por Lacan na capela do Hospital Sainte-Anne em quatro de novembro de 1971, dois de dezembro de 1972 e seis de janeiro de 1972. Essas aulas foram separadas por Jacques-Alain Miller da publicação do Seminário 19, conforme o próprio Miller expõe na nota introdutória ao livro, indicando seus motivos.
O pequeno livro é uma joia para se estudar Ⱥ verdade e o gozo que não mente, tema das Jornadas da EBP-SP de 2022. A primeira das aulas tem como título “Saber, ignorância, verdade e gozo”. Nela Lacan vai da douta ignorância de Nicolau de Cusa até passagens dos textos freudianos Além do Princípio do Prazer e Mal-estar na Civilização para dizer que “a sexualidade, sem nenhuma dúvida, está no centro de tudo o que se passa no inconsciente. Mas está no centro por ser uma falta. Isso quer dizer que, no lugar de seja o que for que pudesse escrever-se da relação sexual como tal, surgem em substituição os impasses gerados pela função do gozo sexual […]”[1].
Na última aula, de seis de janeiro de 1972, cujo título Estou Falando com as Paredes dá nome ao livro, Lacan trabalha detidamente cada um dos versos da poesia de Antoine Tudal[2], já citada por ele muito tempo antes em Função e campo da fala e da linguagem[3]:
Entre o homem e a mulher
Há o amor.
Entre o homem e o amor
Há um mundo.
Entre o homem e o mundo
Há um muro.
Diz Lacan: “[…] esses seis versos de pé quebrado são poesia, apesar de tudo. É poesia proverbial, porque ronrona”[4]. E continua:
Haver o amor entre o homem e a mulher é óbvio “só existe isso”. Ele se comunica, circula, vai do fluxo ao influxo.
Porém, existir um mundo entre o homem e o amor “quer dizer que vocês nunca chegarão lá”. Pois, se o amor gruda, o mundo flutua…
No entanto, se entre o homem e o mundo há um muro, lugar no qual a junção entre saber e verdade está barrada, cortada pelo muro, pelo muro da castração, logo “o saber deixa intacto o campo da verdade e vice-versa, aliás”[5].
“Esse muro está em toda a parte […]”. “As paredes […] eu as reconstruo logicamente. Esse S barrado, esses S1, S2 e esse a são exatamente isto, a parede atrás da qual vocês podem pôr o sentido do que nos concerne, daquilo que acreditamos saber o que querem dizer a verdade, o semblante, o gozo, o mais-de-gozar”[6].
A parede sempre pode nos servir de espelho… [miroir – muroir].