#06 - OUTURBRO 2023
Estão fazendo arte
ESTÃO FAZENDO ARTE
Élida Biasoli
Associada ao Clin-a
Coordenadora da Comissão de Boletim das XII Jornadas da EBP-SP
O tema dessas jornadas nos convida a pensar o riso por diversos aspectos, assim sendo, não poderíamos deixar de fora a arte e sua história. A trajetória cultural e artística dos seres humanos se traduz em manifestações que se misturam à própria história da humanidade, construindo um poderoso canal de expressão de sentimentos, emoções e também de diálogo. Para começar a pesquisa nas artes, pego o gancho do cartaz das jornadas que é o quadro Democrite, de Antoine Coypel. Demócrito foi um filósofo grego que recebeu a alcunha de “o filósofo que ri”. Essa fama vem de anedotas segundo as quais Demócrito ria e gargalhava de tudo e dizia que o riso torna sábio. Um dado impressionante sobre ele é a quantidade de anos que ele viveu: 90 anos! Imaginem vocês um homem que viveu de 460 a.C. a 370 a.C. durar tudo isso. Só rindo muito mesmo!
Antoine Coypel é um artista francês e exemplo do movimento Rococó no século XVIII. “A arte rococó refletia os valores de uma sociedade fútil que buscava nas obras de arte algo que lhe desse prazer e a levasse a esquecer de seus problemas reais. Os temas utilizados eram cenas eróticas ou galantes da vida cortesã e da mitologia, pastorais, alusões ao teatro da época, motivos religiosos e farta estilização naturalista do mundo vegetal em ornatos nas molduras.” [1] Suas características principais são as linhas curvas, as cores suaves, os retratos de festas, em que os pintores representaram os costumes e as atitudes de uma sociedade em busca da felicidade, da alegria de viver e dos prazeres sensuais.
Como podemos notar, o tema apresentado pelo rococó guarda uma relação estreita com nosso tema de trabalho. O nascimento dessa discussão artística vem como fruto de uma pressão contrária gerada por uma rigidez de um sistema acadêmico[2]. Estamos aqui diante do clássico pêndulo Apolo – Dionísio, em que se em um determinado momento da história a cultura e a arte tendem para as questões da racionalidade, do celibato e da lógica, as questões ditas apolíneas, a tendência do movimento artístico seguinte se baseará na emoção, no êxtase sexual, na irracionalidade e no instinto, as ditas questões dionisíacas.
Atenho-me aqui ao pêndulo. A história (e a psicanálise também) nos mostra não funcionar permanecer apenas no lado apolíneo, bem como não o é no lado dionisíaco. A problemática reside então na complicada inter-relação que é preciso inventar entre os dois. Dizendo de outro modo, o que não funciona é a separação entre o corpo e a palavra. Em Lacan Web Télévision, Marie-Hélène Brousse[3] diz que o que efetua a subjetividade da época é o corte entre corps (corpo) e parlant (fala), fazendo referência ao termo le corps parlant. Ela afirma, então, estarmos atualmente diante de um movimento que separa o corpo e a palavra, indo na direção contrária da perspectiva psicanalítica que visa mantê-los ligados. Por exemplo, uma pessoa que quer se operar para tornar-se do sexo que lhe convenha, se define apenas por sua corporalidade biológica. Mas a experiência psicanalítica mostra que esse corte não funciona e jamais funcionará, mesmo se fazendo operar de todas as maneiras. Para concluir, vale ressaltar que o exemplo trans é apenas um, não é o único. Tal separação pode se dar em qualquer falasser, pois o que é central na questão é a rejeição de um corpo pulsional que não coincide com o ego.