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CONSIDERAÇÕES SOBRE O SINTOMA E A ANGÚSTIA NA EXPERIÊNCIA ANALÍTICA
Carmen Silvia Cervelatti
Membro da EBP e da AMP
Freud notou o paradoxo do sintoma; por mais que ele fosse interpretado algo dele persistia, razão inclusive da reação terapêutica negativa ou da pulsão de morte, porque algo não se dobra ao tratamento pela palavra. Esse osso da análise acompanhou suas elaborações, chegando inclusive a postular em 1937, em “Análise terminável e interminável”, que há um resto intransponível nas análises, por mais que se tenha conseguido o esclarecimento da neurose infantil – são os restos sintomáticos. Miller observa que, com esses restos, Freud esbarrou no real do sintoma. “É sobre o sintoma que se torna ardente a questão de pensar a correlação, a conjunção entre o verdadeiro e o real. Nesse sentido, o sintoma é um Jano, ele tem duas faces, uma face de verdade e uma face de real”[1]. Por isso, um sintoma deve ser lido como uma escrita, já que a interpretação diz respeito à sua face de sentido.
No trabalho analítico podemos aproximar o sintoma como gozo, como real, à angústia cuja emergência é um acontecimento de fundamental importância clínica; enquanto sinal é um afeto norteador. Em “Inibição, sintoma e angústia” Freud se dedicou a estabelecer a relação entre ambos, mais detidamente com a fobia, uma proteção contra a angústia.
O afeto é um acontecimento de corpo, como o sintoma. Inclusive é possível aproximar sintoma e angústia por aquilo que concerne ao corpo dos falasseres. Enquanto o primeiro tem uma face interpretável e outra real, a angústia enquanto sinal do real não se presta a ser capturada pelo sentido, não se deixa agarrar pela linguagem. É o que Lacan formula no Seminário 22, RSI, quando, depois do Seminário 10, a angústia, volta a trabalhar o texto freudiano “Inibição, sintoma e angústia”, agora com o nó borromeano, localizando-a no avanço do registro do real sobre o imaginário, ou seja, o simbólico está fora de acesso.
No entanto, é possível operar sobre o sintoma. Por um lado, especialmente na histeria, o sintoma indica que algo não vai bem no Real porque é fonte de reclamação; e, por outro lado, por ser efeito do Simbólico no Real, é possível reduzi-lo desde que o inconsciente responde pelo sintoma. Na experiência analítica, ao se buscar a verdade, é inexorável topar com o real, especialmente nos momentos em que o falasser se depara com uma certa decepção com a verdade e a angústia pode se fazer sentir.
Em sua face de real, Miller propõe “ler um sintoma”: “consiste em privar o sintoma de sentido”, consiste na “leitura do fora de sentido”[2]. O sintoma como acontecimento de corpo se relaciona à lalíngua, diferentemente da semântica, cujas indicações de tal leitura estão nos Outros escritos de Lacan, em “O aturdito”[3]: homofonia, gramática e lógica, apontadas por Miller nesta mesma página de seu texto. O gozo em questão no sintoma “demonstra que houve um acontecimento que marcou seu gozo”, um acontecimento de corpo, “um gozo produzido pelo significante”[4]. Aqui cabe muito bem as palavras de Lacan “isso só se goza por corporificá-lo de maneira significante”[5].
A angústia é um afeto, é algo que se sente no corpo e é a “manifestação mais flagrante desse objeto a, o sinal de sua intervenção”[6]; por isso ela é um importante indicador clínico: é sinal do real, ela localiza algo do objeto, é o afeto que não engana. A angústia é uma presença que se faz sentir no lugar, lá onde nada deveria haver: no Imaginário nada de especular pode completar esse lugar vazio do objeto perdido e pelo Simbólico não comparece nenhuma representação. Ela “não é sem o objeto”, disse Lacan, e o objeto se faz sentir próximo demais.
O objeto a é produzido para tentar dar conta do vazio, do abismo primário e opaco do real do gozo com o corpo, enlaçando-os. Observa-se que o sintoma enquanto Bedeutung, como referência vazia, se conecta ao Sinn, ao sentido do sintoma. Pelo fato da linguagem aparelhar o gozo e do objeto a se relacionar com o significante e enlaçar o corpo e o real do gozo, é que na experiência analítica se elabora o núcleo do gozo dado pelo objeto a como matriz de satisfação, liberando-o de sua prisão na fantasia.