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Comentário sobre o Seminário, livro 11¹
Sandra Arruda Grostein (EBP/AMP)
Este texto é um breve comentário sobre uma passagem do Seminário 11, de Lacan, visando uma atualização do que era proposto nos anos 60, nos seguintes termos:
“Esse objeto paradoxal, único, especificado, que chamamos de objeto a – retomá-lo seria repisá-lo. Mas eu o presentifico… sublinhando que o analisando diz a seu parceiro, ao analista:
Eu te amo, mas, porque inexplicavelmente amo em ti algo que é mais que tu – o objeto a minúsculo, eu te mutilo.”(2)
Além disso, quando ocorre a virada, o analisante diz:
Eu me doo a ti, mas esse dom de minha pessoa, mistério! Se transforma inexplicavelmente em presente de uma merda.”(3)
Para comentar estes dois parágrafos do Seminário sobre os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, recorreu-se a dois destes conceitos: a transferência e a pulsão.
Buscou-se atualizar o conceito de transferência a partir da releitura destes dois parágrafos à luz de dois textos mais recentes – “O ultimíssimo Lacan”, do Curso de Miller de 2011(4), e o texto apresentado por Éric Laurent em Barcelona em 2018 e publicado em Opção Lacaniana(5).
Do texto de Laurent destaca-se aquela proposição que está em sua subdivisão denominada: “Da transferência sem Nome-do-Pai à transferência sem o Outro.”(6)
Neste texto, Laurent está tratando do conceito de transferência tanto na psicose quanto nos tratamentos dos sintomas atuais; para tanto, algo que foi proposto por Freud como o pivô da experiência psicanalítica, isto é o amor de transferência, sofre uma báscula que a proposição acima nos ajuda a acompanhar. Ao recuperar no texto lacaniano a articulação “reconhecer que há ali (na transferência) um momento muito significativo da passagem de poderes do sujeito ao Outro – o lugar da fala, virtualmente o lugar da verdade”(7), como tratar então o lugar da fala se consideramos a transferência sem o Outro?
Miller observa que, no ultimíssimo Lacan, a transferência deixa de ter o mesmo lugar de importância para a experiência analítica; no entanto, a ideia de que o analisante mutila o analista com a sua transferência amorosa, permite pensar que algo do objeto destacado é que está associado à mutilação. A face pulsional da transferência se mantém até o último momento do ensino de Lacan, deixando para trás a relação com o Outro do significante.
A transferência pode ser abordada tanto da perspectiva do significante qualquer quanto da perspectiva do objeto a; de um lado temos o analista mutilado e de outro o analisante com seu dom – merda.
Algo se processa nesta troca que pode ser entendido como a formulação deste artifício que é a experiência analítica, onde o amor é elevado à categoria de conceito, cuja troca se dá no campo pulsional. A face de gozo da transferência, Lacan começa a esboçar com a frase em questão, isto é, amar é subtrair algo do outro, para transformá-lo em causa de desejo e dejeto.
O que é possível retirar do parceiro para que se configure uma psicanálise é o objeto pulsional que o analisante localiza no analista e este, por sua vez, pode sustentá-lo como semblante.
Portanto, a face da transferência que permanece até o último Lacan, é aquela que para Freud se apresentava mais como resistência do que como amor. O analista, ao apelar ao desejo do analista, pode isolar o objeto a e, desta maneira, colocar a maior distância possível do I (Ideal do Eu) que o analista é chamado a encarnar.
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1 N.E.: Extrato da apresentação da Noite “Ensino dos AMEs”, ocorrido na EBP-Seção SP em 26 de setembro de 2018.
2 Lacan, J. O Seminário livro 11 – Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1988. p. 254
3 ______ Ibid.
4 Miller, J.-A. El ultimísimo Lacan. Buenos Aires: Paidós, 2013. p. 143.
5 Laurent, É. “Disrupção do gozo nas loucuras sob transferência”. In: Opção Lacaniana n. 79. São Paulo: Eolia, 2018.
6 _______ Ibid., p. 55
7 Lacan, J. Op. cit., p. 258