BOLETIM ELETRÔNICO DAS XI Jornadas da EBP - Seção São Paulo Local das Jornadas: Meliá…
ANTES DE CONCLUIR, CORTAR
Janaina de Paula Costa Veríssimo
Associada ao CLIN-a
Tomo como ponto de partida, para escrever estas breves notas, o Eixo 1 – O amor à verdade e as entrevistas preliminares – das XI Jornadas da EBP-SP, do qual extrai o seguinte fragmento de Jacques-Allain Miller: “(…) a verdade é intrinsecamente da mesma essência que a mentira”. Mais ainda: “o gozo, ou os gozos do corpo falante, porém, é aquilo que não mente”[1].
Esse pequeno recorte me reenviou a um texto anterior, porém não menos atual, do mesmo autor. Em O método psicanalítico, Miller nos adverte que “não há paciente à revelia de si mesmo”[2]. Aquele que chega, demanda ser admitido, não sem antes realizar uma prévia avaliação do seu sofrimento. Há uma “auto-avaliação”[3] de que algo não vai bem, por isso, o pedido de análise. Segundo ele, “começa aí, na demanda de avalizar, autorizando a autoavaliação de alguém que quer ser paciente, o ato analítico”[4].
Esthela Solano-Suarez nos transmite com vivacidade o efeito do seu primeiro encontro com Lacan, no momento em que ainda se candidatava à entrada no dispositivo analítico. Desde o contato telefônico, o manejo do tempo já instaura uma novidade. Lacan lhe indaga se tratava-se de algo urgente e quando obtém como resposta uma negativa, pede, então, que ela vá imediatamente.
“A primeira vez foi formidável, porque tomou todo seu tempo, foi uma longa entrevista, de uma grande preciosidade clínica, não dando nada por entendido (…) me aceitou, mas me advertindo de que a análise era um assunto muito sério”[5] – e marcou a importância da prática das entrevistas preliminares, que duraram um pouco mais de um ano, contrariando a inocência da analisante de que aquele tempo se reduziria a, quem sabe, pouco mais de três ou quatro entrevistas.
O que se segue, segundo Esthela, de forma desconcertante, é “a fulgurância das sessões”[6]. Lacan triturava a sintaxe, descarrilhava a linguagem, esburacava o sentido e, quase sempre, interrompia cada sessão já na primeira frase pronunciada. “Era da ordem do impossível de suportar, pelo menos durante o primeiro tempo”[7].
Permitir que alguém minta, sobretudo, nas entrevistas preliminares, “para perceber alguma antinomia na lógica própria de seus ditos”[8] constitui parte da tarefa do psicanalista, posto que “exata é a verdade que se conhece”[9]. Mas na experiência analítica, a regra da associação livre revela que “a verdade mais aguda que aparece é a que não podemos conhecer”[10]. Portanto, estejamos advertidos de que uma sessão pode ser comparada a uma unidade semântica, “aquela em que S2 vem pontuar a elaboração”[11] ou, do contrário, localiza-se mais próxima de uma unidade a-semântica, que relança ao ponto opaco do gozo. “Isso supõe que, antes de ser concluída, ela seja cortada”[12]. Isso nos orienta, isso nos interessa. Estaria, aqui, uma pista para aquilo que visamos como preliminar hoje?