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Abertura da Jornada de Cartéis EBP-Seção SP(1)
Ariel Bogochvol (EBP/AMP)
A Jornada de Cartéis é o momento institucional privilegiado para apresentação e discussão dos produtos dos cartéis.
Os cartéis foram propostos por Lacan no Ato de Fundação da EFP, em 1964, como os órgãos principais de um organismo cuja finalidade era realizar “um trabalho que, no campo aberto por Freud, restaurasse a lâmina cortante de sua verdade.” (2) A nova Escola deveria funcionar segundo o “princípio de uma elaboração apoiada em pequenos grupos.”(3)
Inspirou-se nos pequenos grupos criados por Bion e Rickman em instituições para recuperação de militares durante a 2ª guerra. O novo organismo nascia em meio a uma guerra interna na psicanálise para combater os “desvios e concessões que amortecem o seu progresso” (4), a IPA, em prol da verdade e da causa freudiana.
Três a cinco pessoas mais-uma se reúnem por um tempo não maior do que dois anos e fazem juntamente um trabalho que deve produzir trabalhos próprios, de cada um, autorais. Após cumprir sua missão, o cartel se dissolve e permuta. É uma proposta de organização sócio-política e de produção de saber. Uma escola de orientação lacaniana deveria funcionar num regime de cartelização generalizada.
Todas as escolas de orientação lacaniana tentam atingir esse objetivo. É uma forma de organizar o poder e a produção de saber contraposta à forma vigente na IPA. Os cartéis não estão assentados na hierarquia, combinam pessoas de diversos percursos, permutáveis entre si e criam novas combinatórias de cartelizantes e mais-uns. Uma instituição fundada nestes moldes é, potencialmente, mais produtiva, criativa, ágil, combativa.
Os cartéis se alicerçam em “furos” do poder e do saber. O poder é “fraco”: o mais-um não deve ocupar o lugar de líder, Um. O saber é “esburacado”: o mais-um não deve adotar a posição de mestre ou universitário, mas de não-suficiência. Os cartelizantes devem estar lastreados no desejo de saber e em um saber-fazer distinto do aluno ou discípulo. São condições necessárias (não suficientes) para a constituição e sustentação do cartel numa lógica diferente dos modos habituais de transmissão de psicanálise.
São mais de 50 anos desde a sua proposição. Há uma história dos cartéis – instalação, difusão, crises, recomposições – nas várias escolas e instituições que gravitam em torno do ensino de Lacan. No caso da EBP, não se pode dizer que ela esteja baseada em cartéis, mas que aspira estar. Não há cartelização generalizada, apenas uma parcela dos membros trabalha em cartéis, e verifica-se, em relação à proposta original, um deslocamento do seu lugar e função.
Os cartéis da EBP não ocupam o lugar de “órgãos de base” (com exceção do cartel do passe), mas de “órgãos dobradiças”. Não cumprem a função de reger o funcionamento da Escola, mas de articular o interior com o exterior, membros e não membros, psicanalistas e não psicanalistas. Predominam cartéis inscritos sob a rubrica “conceitos fundamentais”, que reúnem pessoas com pouco percurso na psicanálise lacaniana.
Na Seção SP funcionam 28 cartéis; 24 trabalhos foram encaminhados e todos serão apresentados na Jornada. O critério de seleção foi que o trabalho deveria ser efetivamente de cartel, debatido entre os cartelizantes e o mais-um.
A Jornada ocorre em meio ao processo eleitoral, num momento de grave crise no país, com riscos da eleição de um presidente ultra-direitista, elevado à categoria de mito nas redes sociais. E coincide com um dia de mobilização de massas, o movimento “ele-não”, deflagrado pelas mulheres.
Esta manifestação tem relação direta com o tema da conferência de abertura de Rodrigo Lyra, diretor de intercambio e cartéis da EBP, nosso convidado. Organizada na rede digital, sem líderes fortes, sem obedecer a partidos, mulheres e não mulheres vão às ruas em defesa da democracia. É uma demonstração do poder de mobilização das novas formas do laço social.
Ao lado das antigas formas de organização das massas e dos grupos, centradas no líder erigido em Ideal, cujos participantes se identificam uns com os outros, surgem outras formas. Alguns se reúnem a partir da fantasia e do gozo, outros em nome da
perplexidade. No Brasil, as manifestações de 2013, convocadas por via digital, não se deram em nome de uma liderança ou palavra de ordem comum, mas de uma proliferação de palavras de ordem.(5)
Como as mutações do laço social provocadas pela globalização e pelo desenvolvimento tecno-científico afetam a psicologia das massas, redes sociais, grupos, cartéis?
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1 N. E.: Jornada de Cartéis da EBP-Seção SP, ocorrida dia 29.09.2018
2 Lacan, J., “Ato de Fundação”. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
3 ______, Ibid.
4______, Ibid.
5 Laurent, É.“Paixões religiosas do falasser”. In: Opção Lacaniana. Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. N. 75/76.