Boletim Fora da Série das Jornadas da Seção SP - Número 05 - Novembro de…
A subversão na Educação em tempos de Corona Vírus
Leny Magalhães Mrech (EBP/AMP)
Esta é uma Jornada Fora da Série para tratar de um tema: Subversões. Há muitas formas de subversões, porque elas dizem respeito aos furos que o real introduz nas séries, subvertendo todo o processo.
Vivemos isso na Educação em tempos de pandemia do Corona Vírus. A Educação não é mais a mesma. Ela foi subvertida. Alunos, professores, equipe técnica, funcionários e pais vivendo uma nova jornada, uma jornada fora de série. O local mudou. Tudo mudou. Em vez de escolas, estamos na época do ensino a distância, à moda do ZOOM e afins.
Na sociedade do neoliberalismo, como aponta Eric Laurent, em O Avesso da Biopolítica[1], tornamo-nos todos empreendedores de nós mesmos. Os professores realizadores das aulas on-line são agora esses empreendedores de si mesmos. Suas aulas, cuja preparação recai inteiramente sobre os seus ombros, vêm abrindo uma nova senda. Na Educação, tais procedimentos se tornaram evidentes, e passamos a viver diferentes momentos de um processo subversivo. Trata-se de uma mudança não solicitada pelos professores e demais participantes da escola, mas tendo que ser realizada sob o risco de eles serem demitidos.
Para aqueles que acreditavam, como destaca Lacan em Subversão do Sujeito e Dialética do Desejo no inconsciente freudiano[2], na unidade do sujeito do conhecimento, vive-se um impasse. Quem é o sujeito que se apresenta nas telas do ZOOM ou afins? Uma pessoa? Uma imagem? Aquele que fala? Aquele que fica quieto? O que se apresenta com a tela escura e uma letra, um nome, um sobrenome? Algo se encontra nesse âmbito subvertido.
Os que dirigem a Educação querem transformá-la apenas em uma sub-versão da prática presencial. Uma versão menor. Mas isso será possível? A aposta na Educação a Distância tem se revelado algo diferente do esperado: um distanciamento cada vez maior daquilo que se chamava Educação.
Uma situação em que os sujeitos se veem obrigados a trabalhar on-line. Professores dobrando o seu tempo de trabalho e suas atividades. Materiais preparados de forma nova sem que sequer se tenha ideia de como os alunos irão recebê-los.
Os alunos são obrigados a assistir a infindáveis horas de aula on-line como se o processo fosse o mesmo das aulas presenciais. Alguns professores chegam a se lembrar dos alunos na chamada, reconhecendo o seu nome e até dando um :“Bom Dia!”, Mas, são prontamente questionados pela equipe técnica, que prefere deixar a tela preta para não atrapalhar a transmissão (sic), e o aluno pode, muitas vezes, ir fazer outra coisa. Outras escolas ainda obrigam o aluno a ficar presente o tempo todo promovendo um desgaste e aborrecimento totais. O que não quer dizer que o ensino e a aprendizagem sejam realizados.
O aprender ficou reduzido a um ter que apreender um conteúdo dado. Um pegar um conteúdo prévio em um mercado de saber que, como diz Lacan no Seminário XVI – de um Outro ao outro[3], transformou a nossa civilização em uma civilização comercial. E a chamada Educação a Distância em mais um produto insosso no mercado.
Os alunos e os professores foram jogados em um para todos que não respeita a singularidade de cada um. Éric Laurent, em O Avesso da Biopolítica[4], já destacava de que maneira o liberalismo econômico lida com os falasseres transformando-os em seres esvaziados, em capas vazias que cada vez mais perdem a vida. Estamos diante de um processo de esvaziamento do que existe de singular em cada um.
O nome Educação a Distância tornou-se uma metáfora do que ela produz, um distanciamento da própria Educação, dos alunos, dos professores, do corpo técnico e do que sejam ensino e aprendizagem. Para que haja o ensinar e o aprender, é preciso que se toque o falasser e seu corpo. Que se toque o inconsciente. Os corpos distanciados dos falasseres na Educação contemporânea revelam o oposto até da prática antiga do impossível de educar, como apontava Freud[5], tornando cada vez mais o impossível de educar um novo sentido da Educação contemporânea, em que, através de contatos autistas, o vivo da presença fica de fora.
Pode-se fazer diferente? No momento, a resposta é não. Estamos em uma pandemia. Os riscos podem ser mortais, atingindo a vida de crianças, jovens e adultos. O importante é que não se confunda essa vida paralela com a própria vida. Para apreender é preciso ter o que apreender – o vivo do inconsciente e não apenas conceitos.
Por isso, considero que a Educação atravessada pela Psicanálise é, ela mesma, subversiva. Ela sempre traz o novo. Apontando que “o inconsciente é a política”[6] e que o que vale são os falasseres. E, uma prática estandardizada do para todos, do universal, encontra-se terrivelmente distanciada disso. Temos que avançar em nossas práticas feitas pela via on-line. Como atingir os falasseres? Como diminuir a distância? Como estarmos presentes nas situações on-line e não ficarmos em uma posição passiva daqueles que acham que transmitem para aqueles que acham que aprendem?