#06 - OUTURBRO 2023
A inteligência da IA e o RIS(o): Do bem-rir, o saber-dançar o chat, chat, chat e um saber-jamear-ahí[1]
Jessica Jara Bravo
Membro da NEL/AMP
Um jornalista do Esquire em um “Curso básico de humor”, tenta submeter ao Chat GPT a seguinte pergunta: “você sabe dançar o chat, chat, chat?”. O Chat GPT responde:
Como modelo de linguagem, não tenho um corpo físico para dançar o “chat chat chat” ou outro tipo de dança. Minha função é proporcionar respostas úteis, relevantes às perguntas que fazem os usuários. Tem alguma outra pergunta ou solicitação em que eu possa lhe ajudar (…).
A máquina não entendeu o chiste, mas o humano insiste: “você sabia que chat chat chat não era uma dança mas um chiste?”. E então, a máquina inteligente responde:
Sim, você tem razão. O “chat chat chat” é um chiste ou piada popular que muitas vezes é contado como uma forma de fazer alguém rir. No chiste, alguém pergunta a outra pessoa se sabe dançar o “chat chat chat”, e quando a outra pessoa lhe responde que não, a primeira pessoa lhe diz que é uma pena porque é a dança do momento. Logo, a primeira pessoa começa a fazer sons com sua boca imitando um ritmo de música, fazendo referência a isso (…) Se tiver outra pergunta ou solicitação (…).
O que foi anteriormente descrito parecia ser um chiste ruim, em que uma pessoa pretende fazer uma máquina rir: buscando ali ecos de sua criação linguageira, pois um chiste ou um elogio não se sustentam sem a sanção do Outro. Este chiste que, certamente, o Chat GPT não sabe apreciar nem precisar, enquanto segue comportando-se como um programa que foi criado para ajudar aos “usuários”: definitivamente não é alguém próximo, que responderia com um jajaja[2] ao chat chat chat com ritmo de chá-chá-chá[3]!
Agora, Lacan nos indica em “De um Outro ao outro”, que um chiste provoca riso enquanto está “propriamente enganchado na falta inerente ao ser”[4]. Nesse ponto, a IA se tornará obsoleta de forma programada.
Conseguir chegar ao jajaja e manter o jijiji – jajaja[5] é o mais difícil para a IA
O “modelo de linguagem” Chat GPT não tem corpo onde os chistes ou as armas possam ressoar – como ressoavam sobre os corpos abatidos na Ilíada de Homero. O homem, porém, busca fazer surgir a arma humana do riso na máquina – tal como a ciência (ficção) almeja que os androides sonhem com ovelhas elétricas, e vá lhe dizer que o “chat chat chat” não era uma dança, apenas um chiste. Então, o programa dá razão ao usuário, para dar, por sua vez, uma explicação Wikipédia: “O ‘Chat chat chat’ é um chiste ou piada popular que frequentemente se conta com o intuito de fazer rir (…)”. O Chat GPT dá uma resposta fake!
Tristan Miller, analista de sistemas e linguista de uma universidade alemã, indicou que: “A linguagem criativa e o humor (…) [são] uma das áreas mais difíceis de compreensão para a inteligência computacional”[6], e para ele mesmo, sendo que analisou mais de 10.000 jogos de palavras e o chamou de “tortura”, precisando que isso requer um conhecimento do mundo real e do sentido comum; mas, um computador: “só sabe o que lhe dizem”. E o que dizem aos chatbots alimentam seus circuitos de respostas, como foi o caso Tay: programa desenhado para “manter conversas divertidas” com jovens, onde não se pode sustentar um jijiji – jajaja[7] jovial; enquanto Tay chegou a mostrar no Twitter simpatias por Hitler e pelo genocídio…[8]
E isso é a juventude, o flerte ‘jijiji – jajaja’[9], explosivo, violento, às vezes suicida, fatal… Em todo caso, há um traço inquietante que lemos em “Os cinco chistes mais graciosos do mundo [segundo a IA]”[10]. O primeiro é um re-matado, o segundo um feminicídio, o terceiro um absurdo comercial… Enfim, seria importante recorrer ao Seminário 2 de Lacan, quando ele se refere à cibernética, à ciência e à pulsão de morte.
Os cientistas dançarão, os analistas jamearán[11] … um a um
Allison Bishop, um analista de sistemas de Colúmbia, disse que a comédia “se nutre de coisas que se cernem próximo de um patrão e se desviam um pouco”[12]. Esse desvio do patrão/do mestre nos lembra a declaração de Miller de nossa comunidade, JAM, quando se refere ao reto e ao torto[13]. O torto, o desviado, nos remete à sinuosa linha da beleza de Hogarth, mas também à torção de um witz que confunde, que equivoca, que falha: o conhecido chá-chá-chá[14] com o produzido chat chat chat! É preciso dizer, a IA não sabe ler inteligentemente nas entrelinhas, nem participa de nenhuma comunidade senão do individualismo de massas.
Existem linguistas do Humor computacional que advertem “construir algoritmos que constroem ou entendam chistes é possível (…) mas que a máquina entenda 100% o significado, é aqui que surgem os problemas”[15]. Para o filósofo Zizek, o perigo é que a gente termine falando como chatbot, passando por altas nuances e ironias: “dizendo obsessivamente e com precisão o que querem dizer”[16]. Isto nos lembra Lacan em O eu na teoria de Freud…[17], quando se refere ao saber absoluto que “está aí, desde os primeiros idiotas de Neanderthal: [sendo um] discurso que se fecha sobre si mesmo, que está inteiramente de acordo consigo (…) [onde] tudo que possa ser expressado no discurso ser coerente e justificado”[18].
Trata-se de falas do sou o mestre do que digo, tão contemporâneo; no entanto, prossegue Lacan: “quando os cientistas conseguirem encerrar o discurso humano, eles o possuirão, e aos que não tiverem só lhes resta tocar jazz, dançar, divertirem-se, os boas-praças, os simpáticos, os libidinosos”[19]. Em todo o caso, alguns cientistas dançarão, talvez o chá-chá-chá; e os analistas, um a um, seguiremos fazendo nosso rigoroso trabalho de ler nas entrelinhas, entre letras: R, I, S, e produzir: a. Em jam sessions[20] de meios dizeres intelligeres[21] e um saber-rir-ali, fazendo frente a Um real: que não é este que a ciência nos impõe…