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A inteligência da IA e o RIS(o): Do bem-rir, o saber-dançar o chat, chat, chat e um saber-jamear-ahí[1]

Exposição Narraciones extraordinarias, Museo de Arte Contemporáneo (MAC) de la Universidad de Chile, Nelson Plaza.
Jessica Jara Bravo
Membro da NEL/AMP

Um jornalista do Esquire em um “Curso básico de humor”, tenta submeter ao Chat GPT a seguinte pergunta: “você sabe dançar o chat, chat, chat?”. O Chat GPT responde:

Como modelo de linguagem, não tenho um corpo físico para dançar o “chat chat chat” ou outro tipo de dança. Minha função é proporcionar respostas úteis, relevantes às perguntas que fazem os usuários. Tem alguma outra pergunta ou solicitação em que eu possa lhe ajudar (…).

A máquina não entendeu o chiste, mas o humano insiste: “você sabia que chat chat chat não era uma dança mas um chiste?”. E então, a máquina inteligente responde:

Sim, você tem razão. O “chat chat chat” é um chiste ou piada popular que muitas vezes é contado como uma forma de fazer alguém rir. No chiste, alguém pergunta a outra pessoa se sabe dançar o “chat chat chat”, e quando a outra pessoa lhe responde que não, a primeira pessoa lhe diz que é uma pena porque é a dança do momento. Logo, a primeira pessoa começa a fazer sons com sua boca imitando um ritmo de música, fazendo referência a isso (…) Se tiver outra pergunta ou solicitação (…).

O que foi anteriormente descrito parecia ser um chiste ruim, em que uma pessoa pretende fazer uma máquina rir: buscando ali ecos de sua criação linguageira, pois um chiste ou um elogio não se sustentam sem a sanção do Outro. Este chiste que, certamente, o Chat GPT não sabe apreciar nem precisar, enquanto segue comportando-se como um programa que foi criado para ajudar aos “usuários”: definitivamente não é alguém próximo, que responderia com um jajaja[2] ao chat chat chat com ritmo de chá-chá-chá[3]!

Agora, Lacan nos indica em “De um Outro ao outro”, que um chiste provoca riso enquanto está “propriamente enganchado na falta inerente ao ser”[4]. Nesse ponto, a IA se tornará obsoleta de forma programada.

Conseguir chegar ao jajaja e manter o jijiji – jajaja[5] é o mais difícil para a IA

O “modelo de linguagem” Chat GPT não tem corpo onde os chistes ou as armas possam ressoar – como ressoavam sobre os corpos abatidos na Ilíada de Homero. O homem, porém, busca fazer surgir a arma humana do riso na máquina – tal como a ciência (ficção) almeja que os androides sonhem com ovelhas elétricas, e vá lhe dizer que o “chat chat chat” não era uma dança, apenas um chiste. Então, o programa dá razão ao usuário, para dar, por sua vez, uma explicação Wikipédia: “O ‘Chat chat chat’ é um chiste ou piada popular que frequentemente se conta com o intuito de fazer rir (…)”. O Chat GPT dá uma resposta fake!

Tristan Miller, analista de sistemas e linguista de uma universidade alemã, indicou que: “A linguagem criativa e o humor (…) [são] uma das áreas mais difíceis de compreensão para a inteligência computacional”[6], e para ele mesmo, sendo que analisou mais de 10.000 jogos de palavras e o chamou de “tortura”, precisando que isso requer um conhecimento do mundo real e do sentido comum; mas, um computador: “só sabe o que lhe dizem”. E o que dizem aos chatbots alimentam seus circuitos de respostas, como foi o caso Tay: programa desenhado para “manter conversas divertidas” com jovens, onde não se pode sustentar um jijiji – jajaja[7] jovial; enquanto Tay chegou a mostrar no Twitter simpatias por Hitler e pelo genocídio…[8]

E isso é a juventude, o flerte ‘jijiji – jajaja’[9], explosivo, violento, às vezes suicida, fatal… Em todo caso, há um traço inquietante que lemos em “Os cinco chistes mais graciosos do mundo [segundo a IA]”[10]. O primeiro é um re-matado, o segundo um feminicídio, o terceiro um absurdo comercial… Enfim, seria importante recorrer ao Seminário 2 de Lacan, quando ele se refere à cibernética, à ciência e à pulsão de morte.

Os cientistas dançarão, os analistas jamearán[11] … um a um

Allison Bishop, um analista de sistemas de Colúmbia, disse que a comédia “se nutre de coisas que se cernem próximo de um patrão e se desviam um pouco”[12]. Esse desvio do patrão/do mestre nos lembra a declaração de Miller de nossa comunidade, JAM, quando se refere ao reto e ao torto[13]. O torto, o desviado, nos remete à sinuosa linha da beleza de Hogarth, mas também à torção de um witz que confunde, que equivoca, que falha: o conhecido chá-chá-chá[14] com o produzido chat chat chat! É preciso dizer, a IA não sabe ler inteligentemente nas entrelinhas, nem participa de nenhuma comunidade senão do individualismo de massas.

Existem linguistas do Humor computacional que advertem “construir algoritmos que constroem ou entendam chistes é possível (…) mas que a máquina entenda 100% o significado, é aqui que surgem os problemas”[15]. Para o filósofo Zizek, o perigo é que a gente termine falando como chatbot, passando por altas nuances e ironias: “dizendo obsessivamente e com precisão o que querem dizer”[16]. Isto nos lembra Lacan em O eu na teoria de Freud…[17], quando se refere ao saber absoluto que “está aí, desde os primeiros idiotas de Neanderthal: [sendo um] discurso que se fecha sobre si mesmo, que está inteiramente de acordo consigo (…) [onde] tudo que possa ser expressado no discurso ser coerente e justificado”[18].

Trata-se de falas do sou o mestre do que digo, tão contemporâneo; no entanto, prossegue Lacan: “quando os cientistas conseguirem encerrar o discurso humano, eles o possuirão, e aos que não tiverem só lhes resta tocar jazz, dançar, divertirem-se, os boas-praças, os simpáticos, os libidinosos”[19]. Em todo o caso, alguns cientistas dançarão, talvez o chá-chá-chá; e os analistas, um a um, seguiremos fazendo nosso rigoroso trabalho de ler nas entrelinhas, entre letras: R, I, S, e produzir: a. Em jam sessions[20] de meios dizeres intelligeres[21] e um saber-rir-ali, fazendo frente a Um real: que não é este que a ciência nos impõe…

 

Tradução: Maria Célia Reinaldo Kato
Revisão: Eduardo Vallejos

[1] N.T1. “Saber-jamear-ahí” refere-se a um neologismo proposto pela autora, que evoca o “saber-fazer-aí” do analista.
[2] N.T2. Resolvemos manter a expressão no original. Segundo a autora, refere-se a onomatopeia de risada, que em português podemos aproximar ao hahaha.
[3] N.T3. A autora faz referência ao ritmo de música chá-chá-chá, que segundo Wikipédia é uma dança latino-americana originária de Cuba, construída sobre a música homónima. É considerada uma variação do forro.
[4] LACAN, J. O Seminário, livro 16: de um Outro ao outro. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 62.
[5] N.T4. Resolvemos manter a expressão no original pois, segundo a autora, “jijiji-jajaja” refere-se a uma onomatopeia das risadas que se dão entre duas pessoas. É como se um ri “jijiji” (riso contido) e o outro responde “jajaja” (gargalhada), mas trata-se de algo figurado. Em português, as onomatopeias que poderiam corresponder seriam hihihi e hahaha, respectivamente. É uma expressão que indica uma conversa entre amigos ou namorados no sentido de paquera.
[6]https://www.latimes.com/espanol/vidayestilo/la-es-el-desafio-de-la-inteligencia-artificial-entender-los-chistes-20190406-story.html
[7] Vide N.T4.
[8]https://www.bbc.com/mundo/noticias/2016/03/160325_tecnologia_microsoft_tay_bot_adolescente_inteligencia_artificial_racista_xenofoba_lb
[9] Vide N.T4.
[10] https://www.epe.es/es/ocio/20230429/cinco-chistes-divertidos-mundo-segun-ia-dv-84183876
[11] Vide N.T1.
[12] Op. cit., “El desafío de la…”.
[13] MILLER, J-A. “«Todo el mundo es loco» AMP 2024”, Las astucias del principio de placer, Buenos Aires, EOL, N° 32, diciembre 2022.
[14] Vide N. T3.
[15]https://www.puromarketing.com/12/29149/humor-computacional-rama-inteligencia-artificial-nos-provoca-risa
[16]https://as.com/actualidad/advertencia-del-filosofo-zizek-sobre-el-riesgo-entre-la-inteligencia-artificial-y-las-personas-n/
[17] LACAN, J. O seminário, livro 2: O eu na teoria de Freud e na técnica psicanalítica. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.
[18] Ibid, p. 95.
[19] Ibid, p. 96.
[20]jam sessions”: optou-se por manter o termo sem traduzi-lo, pois, a autora faz referência à JAM (J-A Miller) para dizer sobre a posição do analista que não é convencional, porém, sem prescindir da estrutura para fazer surgir algo novo, no estilo da improvisação típica do jazz: uma sessão analítica tipo jam.
[21]Intelligere, do latim, significa: entender, saber escolher, saber ler nas entrelinhas.
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