Por Niraldo de Oliveira Santos EBP/AMP “Alguns sendo singulares, se ajuntam, e podem ser colocados…
Uns Traços – Solidão, a impossibilidade de fazer dois
Lucila Darrigo – EBP/AMP
A ideia deste pequeno texto é levantar alguns pontos a respeito da solidão no ensino de Lacan a partir deste recorte do seminário 20:
“Eu, não é um ser, é um suposto a quem fala. Quem fala só tem a ver com a solidão, no que diz respeito à relação que só posso definir dizendo (…) que ela não se pode escrever. Essa solidão, (..) de ruptura do saber, não somente ela se pode escrever, mas ela é mesmo o que se escreve por excelência, pois ela é o que, de uma ruptura do ser, deixa traço[1].”
Partir do Um para pensar a solidão
De onde partimos, faz diferença.
Miller, no curso “Los signos del goce” nos orienta em relação à mudança de paradigma no ensino de Lacan a partir do Seminário 20: “Não é o mesmo tentar alcançar o Um a partir do Outro e tentar alcançar o Outro a partir do Um. Neste novo axioma, o que vem antes não é o Outro mas o gozo e, por conseguinte, o Um, a posição do Um, a tese do Um[2].”
“O Um está aí apenas para representar a solidão[3].” Esse Um que não faz dois, define o campo do último ensino de Lacan onde o Outro deixa de existir.
Ao longo do seminário 20, Lacan vai demonstrando tudo aquilo que do gozo é gozo uno, ou seja, gozo sem o Outro. A relação sexual não existe pode ser tomada como correlata ao Há Um e só pode ser pensado no nível do real do gozo.
Não há relação sexual.
Há gozo. Há um. Há solidão.
A solidão, uma ilusão
Quando partimos do significante, o Outro é aquele que lhes responde. É o lugar do código, daquele que sanciona. Neste sentido, como nos disse Marie-Hélène Brousse na entrevista sobre o tema das Jornadas, a solidão é uma ilusão[4]. Ilusão, uma vez que não podemos pensar o sujeito sem o Outro. É contraditório falar em solidão do sujeito… Enquanto ser falante, a solidão é um impossível[5]. Sem o Outro da linguagem, não há ser falante. Falamos sozinhos, certamente, mas há sempre um endereçamento quando falamos: falamos para o Outro, com o Outro, a partir do Outro.
O Eu (le moi), é o companheiro permanente que não nos deixa sós e que, ao mesmo tempo, nos falta, por ser apenas “um suposto a quem fala[6]”. Ilusão de estar só e, ao mesmo tempo, ilusão de não estar só. O ser falante está sempre às voltas com esse dilema….
A solidão quando o Outro não existe
Quando o Outro não existe, o que acessamos são os efeitos desta ausência: efeitos de linguagem, efeitos do Inconsciente. E é isso que dá uma ideia da verdadeira solidão[7].
Então, quando partimos do gozo somos conduzidos a Um-totalmente-só, separado do Outro. O Outro aparece como Outro do Um[8]. Neste caso, o gozo do Outro se torna muito problemático pois ele passa a ser tão somente o Outro do sexo.
Mesmo no encontro com o Outro do sexo, o lugar do gozo é o corpo próprio, sempre solitário, por qualquer que seja o meio de gozo.
Por isso, no nível do gozo, o falasser só encontra a solidão. Ou, dito de outro modo: talvez só sejamos falasseres na experiência da solidão[9].
Mais uma vez, se tomarmos o gozo como ponto de partida, temos que tomar a palavra como não estando dirigida ao Outro[10]. A fala não é comunicação com o Outro. A fala é gozo e, nessa perspectiva, ela não visa reconhecimento nem compreensão. Ela é apenas uma modalidade do gozo uno. Por isso Lacan inventou o conceito de lalangue. Mais aquém da linguagem – cujo estatuto é homólogo ao do inconsciente – está lalangue como gozo. A linguagem passa, então, a ser definida como uma elucubração de saber sobre lalangue[11].
O sintoma que recobre a solidão
Podemos dizer, de outro modo, que a solidão toca fundamentalmente aquilo que não fala no sujeito. Sabemos também que o sujeito só pode responder a esse real fazendo sintoma[12].
Desta maneira, abre-se a dimensão que articula sintoma e solidão: o sintoma como o traço escrito de nossa solidão, de nosso não saber fazer com o gozo[13].
Lacan fala da solidão quando há uma ruptura de saber. Ruptura do saber construído como uma estratégia para recobrir o gozo do Um na forma de uma fabulação fantasmática do sintoma, por exemplo. É quando esse saber ou o ser construído a partir da linguagem se rompe que há solidão.
Traço de solidão, efeito do encontro traumático de lalangue com o corpo.