Por Niraldo de Oliveira Santos EBP/AMP “Alguns sendo singulares, se ajuntam, e podem ser colocados…
#Orientação – Tinder: primeiro a gente transa, depois a gente vê. O simbólico mudou de ritmo
Por Christiane Alberti
Desde a chegada do Tinder, o mundo do namoro mudou. O princípio deste aplicativo? Colocar em contato homens e mulheres geograficamente próximos, por meio de um sistema de geolocalização. Qual é o impacto do Tinder nos relacionamentos amorosos? Para Christiane Alberti, psicanalista, os encontros virtuais não eliminarão a magia.
“De toda forma, existe agora alguma coisa mudada. A sexualidade é alguma coisa mais pública. […] A sexualidade é todo tipo de coisa, os diários, os vestuários, a forma como nos comportamos, a forma como os meninos e meninas fazem isso, um belo dia, ao ar livre, no mercado.”[2]
Estamos um pouco antes de 1968, e aqui novamente Lacan antecipa nosso tempo, esclarecendo certos efeitos do advento do virtual na relação entre os sexos.
“Amor” por um instante
Parto do lançamento, no mercado dos encontros virtuais, de um aplicativo de celular, o Tinder, que desfila diante dos olhos retratos de meninos e meninas sobre os quais se pode clicar de acordo com as preferências e outras fixações inconscientes: “like/dislike”.
Quando a escolha é recíproca, há o “match”! Está no bolso! Você pode, desde então, marcar um encontro com aquele ou aquela que “amou” você por um instante.
Não é obrigatório, já que você pode se contentar com o número de “matches” conquistados, em virtude de um alinhamento da ordem erótica em relação à contabilidade que parece prevalecer sobre os encontros efetivos.
Quantos? Parece ser para alguns o único interesse do jogo, como para Vítor, nostálgico do período em que “os matchs contabilizavam muito bem”. (para ler seu relato completo, clicar em seu nome no texto original)
Se não nos deixamos vencer pela repugnância histérica, vários pontos chamam a atenção nos relatos dos usuários do Tinder, alguns reunidos por France Ortelli e Thomás Bornot no filme “Love me Tinder”.
O roteiro do encontro já está escrito
Nós vamos para o Tinder porque “todo o mundo está lá, toda Paris está lá”!
O Tinder é, antes de tudo, um lugar: a necessidade de situar o Outro desde que ele desapareceu. Nós o procuramos e nós o encontramos: o aplicativo no celular tomou o lugar do mercado.
O “Outro” organiza as relações entre os sexos, pois a relação sexual faz precisamente falta. O Outro que arranjava os casamentos de acordo com os semblantes e a tradição, as mediações acordadas, é aqui substituído pelo aplicativo, mas se trata de um arranjo feito por um Outro de meia-tigela.
O Outro do Tinder, como na tradição, organiza os links de acordo com os padrões masculinos, paternais, escópicos: “nós vemos uma linda jovem, nós clicamos, nós a temos!” Enfim, a verdadeira vida?
A temporalidade está em primeiro plano nos propósitos dos protagonistas. O roteiro do encontro já está escrito, prescrito pelo próprio aplicativo: “já sabemos que vai acabar na cama, então quanto mais rápido, melhor”!
Não seria este o sonho de muitos homens? Queimar todas as etapas, evitar todas as preliminares conquistadas com o suor da arte de sedução, para chegar rapidamente à primeira vez e reduzir assim o tempo que nutre a inquietude, até mesmo a angústia daquilo que será.
Digamos que a montagem pulsional se faz de outra forma, seguindo outra temporalidade: “primeiro a gente transa, depois a gente vê”. O simbólico mudou de ritmo, dançamos o rock and roll ao contrário, um sinal e opa! Isso não deixa de ser uma montagem. A sexualidade pode estar ao ar livre, o sexo faz sempre “furo na verdade”. Não vamos ficar quites.
Querer terminar o mais rápido possível
Poderíamos ler essa subjetividade do tempo, a multiplicação dos encontros sem dia seguinte, como uma banalização do ato sexual “que não tem mais importância, digamos, do que beber um copo d’água”.
Não deveríamos ler esta suposta indiferença mais do que como uma defesa, como salienta claramente o jogo de palavras de Lacan: “ça visse exuelle”[3]. O equívoco do “vissé” (fixado, parafusado) faz ressoar o reprimido interno à própria sexualidade: é o contrário de “sem importância”.
Querer terminar o mais rápido possível não é causar um curto-circuito na angústia, o desarranjo suscitado pelo imprevisto, e encontrar assim uma defesa diante do encontro real, na medida em que ele se constrói a partir do impossível? Que seja estabelecido por um clique ou pela tradição, o mais difícil resta a ser feito, na medida em que falta consumar o verdadeiro encontro.
Para fazer par é preciso passar pelo sintoma que em seu princípio nos isola. Neste plano, o Outro será sempre de meia-tigela. Permanece a contingência. Não dá para fazer par sem o pré-requisito do encontro. O cupido tem sempre os olhos vendados e atira suas flechas ao acaso!
A proximidade tem prioridade sobre os ideais
A cultura 2.0 ou 3.0, ou ainda aquela do “hook up” (que designa “uma saidinha” frequentemente invocada pelos usuários destes aplicativos), registra sem dúvida uma expansão sem precedentes a partir das novas tecnologias.
Ela se caracteriza pelo aumento da oferta que incentiva a otimizar os parceiros. Em virtude de um alinhamento da ordem erótica com a ordem econômica, o sexo e o amor estão fadados a se submeter às regras dos imperativos do hiperconsumo (performance, rapidez, eficácia: sedução express e fast sex).
Ela deve certamente o sucesso ao caráter horizontal de sua oferta: sonhar ou fantasiar não sobre ícones inatingíveis, mas sobre sua vizinha. O conceito do “next door” é a principal palavra-chave do negócio. A proximidade tem prioridade sobre os ideais e as identificações verticais de antigamente.
Trata-se sempre de uma questão de encontro
Estes aplicativos de geolocalização exploram a potência das imagens, lisas por definição (valor de poder inigualável como bem previu Guy Debord), e a captação visual: elas dão assim o sentimento que o encontro aconteceu “sem dor de cabeça”.
Eles mascaram que nos fatos e em todos os casos, mesmo que algumas mensagens de aproximação sejam suficientes, é preciso falar. Não se entra na sexualidade e na via amorosa sem palavras. O caso não pode ser concluído sem uma palavra, e aí tudo se complica!
Isto quer dizer que a magia do encontro, as surpresas do amor e o duro trabalho de fazer par têm belos dias pela frente! Porque se trata sempre de uma questão de encontro, sempre arriscado. É este acaso que transformamos après coup em história.
Os encontros virtuais não eliminarão esta delicada alquimia que faz com que dois seres incompletos e irremediavelmente sós, venham a fazer um par.
Tradução:
Rosângela Carboni Castro Turim
Revisão:
Daniela de Camargo Barros Affonso