Por Niraldo de Oliveira Santos EBP/AMP “Alguns sendo singulares, se ajuntam, e podem ser colocados…
#Orientação – O sexo e a coragem
Rômulo Ferreira da Silva
Temos verificado muitos depoimentos de casais que se formaram a partir de aplicativos fornecidos pela internet. São histórias que apresentam versões do que antes podíamos ouvir “como nos encontramos no aniversário de 15 anos da minha amiga”, ou “fomos apresentados pelo namorado da minha melhor amiga”. Esses casais, unidos pelas redes, comentam como foi a primeira vez que a mensagem do outro “tocou fundo” e definiu a decisão de marcar um primeiro encontro. Um encontro para “dar certo”.
Em nossa prática escutamos inúmeras tentativas que só serviram para desprezar tais aplicativos, que foram considerados como sendo simples pretextos para encontros sexuais.
Do que se trata esse “dar certo”? Não se pode dizer que um bom encontro sexual, mesmo que não se prolongue numa relação estável, não “deu certo”. O mesmo acontecia a partir da “festa de 15 anos ou na apresentação do namorado da melhor amiga”. Podia ocorrer uma boa transa e pronto.
Tudo vai depender do que se está procurando. E quem pode dizer o que de fato está procurando em um primeiro encontro?
No calor da aproximação dos corpos há algo que se decide para além dos ideais do amor. Pode ou não rolar sexo. Na maioria das vezes é possível estabelecer os motivos que levam ao (des)encontro e a decisão rápida de seguir cada um para o seu lado. Mais difícil é localizar o que faz com que o casal tome a decisão de permanecer junto no dia seguinte e termina por estabelecer uma relação duradoura. Há pouco tempo dizia-se que “rolou uma química”.
Com o advento dos sites de “procura-se um amor” a lógica de mercado se estabelece de forma escancarada. As descrições dos “produtos” são feitas de modo objetivo e pautadas pelas “dicas” dadas pelo consumidor. É surpreendente que, mesmo aqueles que forjam informações sobre suas autodescrições, não se deem conta de que o mesmo pode estar acontecendo do outro lado da “linha”. Ao ser marcado o encontro presencial acredita-se saber muita coisa sobre o que será encontrado.
Trata-se de um encurtamento radical do tempo de paquera, de namoro e, porque não, de noivado, que há pouco tempo propiciava uma “checagem” das descrições dos “produtos”. Antes, os parceiros se declaravam conforme as expectativas já conhecidas, claro, porém havia o fator tempo e a presença dos corpos para que a “química” pudesse surgir ou não.
Escutamos as justificativas para a decisão de se marcar um encontro presencial pautadas pelas mesmas exigências de outrora como signos de promessa de relação mais estável: “elx não é de balada”, “gosta de curtir os amigos mas está buscando algo mais íntimo”, “elx tem um trabalho bem legal e é independente financeiramente” etc. Isso parece ser algo do século passado, mas ainda funciona. Basta verificar a maioria dos depoimentos de casais que deram certo a partir de encontros pela internet. Os ideais de acasalamento permanecem.
A maioria dos sujeitos que buscam encontrar um amor através dos aplicativos acreditam que podem colocar seus anseios e disponibilidades de forma clara e irrefutável, como se estivessem passando por uma prova de Recursos Humanos.
Fernanda Otoni desenvolveu o tema “O laço entre o amor e a coragem”, em reunião preparatória das Jornadas da EBP-SP, em 09/05/2018, no qual enfatizou a coragem como ponto fundamental para a entrega ao amor. Um trabalho que orienta sobre as condições de amor em nossa época, na abordagem dos (des)-encontros que ocorrem pela via da internet.
Parece que a partir daqueles casais que “deram certo”, um tempo depois de terem sido apresentados em uma festa, seja na continuidade dos encontros propiciados pela internet, que puderam seguir por um tempo depois de terem transado, dormido juntos, frequentado os amigos e familiares, discutido o filme que assistiram etc.
Considero a coragem também como fator importante para o primeiro encontro armado pela internet.
Assim como na prática da prostituição, se a busca é apenas pelo encontro sexual, a internet permite que seja “tudo” combinado anteriormente no intuito de que saia conforme o esperado de ambos os lados. Os corpos são mostrados, as preferências explicitadas, combina-se o local e a hora para se evitar ao máximo o constrangimento causado pelo enfrentamento dos corpos.
Porém, como o dinheiro não se coloca explicitamente nas “negociações” prévias dos encontros marcados pelas redes de relacionamentos, os semblantes podem vacilar com mais facilidade.
No episódio “Hang the D.J” da série Black Mirror, os personagens Amy e Frank se encontram pela primeira vez e têm apenas doze horas para viverem juntos. O “Sistema” é que decide o tempo de duração da relação, o local de encontro, o prato que cada um vai comer no restaurante etc. Nada disso garante que uma relação se estabeleça. Mas parece que é exatamente pelo fracasso desse primeiro encontro que os dois protagonistas subvertem o que “está escrito nas estrelas”. Ops, no “Sistema”!
Cada uma das partes entra no jogo tanto como ‘contratado’ quanto como ‘contratante’. Tudo programado! Mas pode não dar certo, pois há algo de imponderável no que se espera do outro, já que o preço a pagar não é contabilizado como o dinheiro.
Aí também, para que ocorra o ato sexual é preciso um tanto de coragem. Do lado homem, é necessário um tanto de coragem em avançar sobre o objeto que se apresenta para sua satisfação. Do lado mulher, é preciso coragem para se colocar no lugar de objeto de satisfação do outro. Independentemente do sexo biológico dos proponentes ao encontro.
Tenta-se substituir a coragem pela autorização previamente concedida.
Por não existir vida sexual típica, há que ter coragem para colocar em prática a sexualidade que anima o corpo.
Podemos pensar que os (des)encontros sexuais e “amorosos” que ocorrem pela via da internet configuram um sintoma contemporâneo. A internet oferece ao sujeito a possibilidade de tentar driblar os impasses da vida sexual marcada pelo impossível da relação sexual.
É interessante que os sites de “encontros” transitam entre várias possibilidades que vão desde simplesmente o contato e satisfação sexual virtual, até às propostas mais tradicionais de casamento. Eles se sofisticam, tentam engendrar o acaso, se tornaram até puritanos em alguns casos.
Resta à psicanálise recolher os efeitos do impossível da relação sexual .