Por Niraldo de Oliveira Santos EBP/AMP “Alguns sendo singulares, se ajuntam, e podem ser colocados…
Editorial Boletim Traços #04
Gabriel García Marques, Haruki Murakami, Clarice Lispector, Alejandra Pizarnik: a literatura mais uma vez é chamada pela psicanálise para aliar-se a ela na difícil tarefa de transmitir algo do real, desta feita, do real da solidão. Esta edição do Boletim Traços reúne textos cuja leitura, além de trabalhar conceitos como fantasia, Outro, gozo feminino, sintoma, real, traz a pena de escritores que nos conduzem por veredas sempre inusitadas, cujo testemunho, como dizia Freud em Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen, “deve ser levado em alta conta, pois [os escritores] costumam conhecer toda vasta gama de coisas entre o céu e a terra com as quais nossa filosofia ainda não nos deixou sonhar”.
Assim é, por exemplo, que Cássia Gonçalves Gindro resgata Cem Anos de Solidão, de García Marques, do qual procura tirar consequências “desta solidão, que impede o laço com o outro, por ser uma falsa solidão, ainda que autêntica, pois é falsa naquilo que oculta que o sujeito está acompanhado do objeto de seu fantasma”.
Elisa Alvarenga, por sua vez, testemunha a solidão sofrida pelos homens através do livro Homens sem Mulheres de Haruki Murakami, cujas ficções “revelam algo do real da não relação sexual na época do Outro que não existe, em que o gozo feminino não se atém às fronteiras entre homens e mulheres”. A questão que perpassa suas linhas diz respeito à solidão masculina presente nos contos de Murakami, e como o “encontro com o Outro sexo pode ser devastador para um homem, que se refugia no isolamento fantasmático dos homens sem mulheres”.
Flávia Cêra recorre à poesia, “essa forma de escrita que sabe que toda fala está aquém ou além da comunicação”, para tocar a solidão e, a partir de poema de Alejandra Pizarnik, em La palabra del deseo, conclui que a solidão não é apenas estar sozinho, mas é uma fratura na frase. Como esta ruptura se dá na adolescência, eis o que a autora busca trabalhar.
E claro, Clarice Lispector não poderia estar ausente nesse momento. Laureci Nunes traz de seu último escrito um personagem que “permite ver a solidão como efeito do real da não relação sexual”, mas, também, mostra a possibilidade do encontro “do eu com o eu”. A solidão, seria um luxo, como afirma Clarice? Seria esta a marca da solidão do final de análise?
É essa solidão radical, obtida no final da análise, que Fabiola Ramon aborda ao trazer trechos de relatos de passes, a partir dos quais questiona o lugar que o Outro ocupa quando o discurso capitalista modifica o estatuto da solidão, levando a “laços mais frouxos”. A autora examina de que forma pode o trabalho analítico transcorrer quando a inconsistência do Outro está posta desde o início e se seria possível a análise engendrar “algum tipo de solidão”.
Esta edição do Boletim Traços é a prova viva de que a psicanálise tem muito a dizer sobre a solidão, mas, acima de tudo, de como não pode prescindir dos artistas para tentar, sempre, melhor dizê-lo.