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Pornografia e a ameaça à virilidade: a primeira geração de jovens que cresceu com acesso ilimitado ao pornô online soa o alarme
A edição de 11 de abril de 2016 da revista americana TIME[1] traz uma reportagem de capa sobre os jovens da geração da Internet, consumidores de pornografia desde muito cedo, e que têm procurado consultórios de urologistas apresentando queixas de disfunção erétil nos encontros sexuais com parceiras no mundo real. Esses jovens estão convencidos de que suas respostas sexuais foram sabotadas porque seus cérebros foram “marinados” em pornografia virtual quando eram crianças e adolescentes. Uma parte desses jovens deu início a um movimento para denunciar os perigos do consumo constante de pornografia, associando diretamente o fracasso no encontro sexual à superexposição à pornografia virtual desde a infância, que teria levado a alterações “neuro-cognitivas”.
Noah Church, 26, é um bombeiro florestal na cidade de Portland, Oregon. Quando ele tinha 9 anos encontrou fotos de nudez na internet e aprendeu a baixar vídeos pornográficos. Aos 15, chegaram os vídeos por streaming e ele logo começou a assisti-los com frequência, muitas vezes ao dia, acompanhado de masturbação. “Eu encontrava tudo o que eu podia imaginar e muitas coisas que eu nem imaginava”, diz ele. Depois que o apelo de algum tipo de vídeo diminuía, Noah seguia para o próximo, mais intenso e muitas vezes mais violento.
Em seu último ano no colegial, ele teve a oportunidade de ter um encontro sexual com uma parceira na realidade. Ele se sentia atraído por ela, e ela por ele. Mas seu corpo não parecia interessado. “Havia uma desconexão entre o que eu queria na minha mente e como o meu corpo reagia”, diz. Ele não obteve ereção. A princípio acreditou que se trava de nervosismo de principiante. No entanto, 6 anos se passaram e não importava a garota com quem ele estivesse, seu corpo não cooperava. Ele respondia apenas à pornografia.
Diferentemente de Noah e de outros ativistas anti-pornô, Gabe Deem, 28, tinha uma vida sexual ativa na juventude e consumia pornô apenas como um complemento. No entanto, a pornografia passou a dominar seu interesse sexual. “Alguns anos após o colegial, eu fiquei com uma linda garota. Nós fomos transar e meu corpo não apresentou resposta alguma. Eu fiquei assustado porque eu era jovem, em forma, e estava super atraído por ela”. Ele procurou o médico receando estar com níveis baixos de testosterona.
Em abril de 2015, Alexander Rhodes deixou um bom emprego na empresa Google para desenvolver websites de aconselhamento e apoio comunitário para pessoas que sofrem com o vício em pornografia. Ele iniciou um fórum anti-masturbação no popular site Reddit, além de um website próprio com o nome NoFap.com (“Fap”, em linguagem de internet, significa masturbação). Atualmente ele se dedica a esse trabalho em tempo integral. Assim como os outros ativistas, Rhodes consumia pornô com regularidade desde muito cedo. No final de sua adolescência, quando estava com sua namorada, as coisas não iam bem. “Eu realmente a machuquei [emocionalmente]. Eu pensava que era normal ter fantasias relacionadas aos vídeos pornôs enquanto fazia sexo com outra pessoa”. Ele diz que se parava de pensar em pornografia para focar na garota, seu corpo perdia interesse. Ele tentou parar de assistir vídeos pornográficos algumas vezes antes de finalmente jurar nunca mais acessá-los no final de 2013. Segundo Rhodes, seus dois websites têm cerca de 200.000 membros cadastrados e mais de um milhão de visualizações de usuários únicos por mês. Para grande parte dos usuários desses sites, deixar de consumir pornografia não tem nada a ver com valores morais e religiosos. “Eu parei de assistir vídeos pornôs para ter mais sexo”, diz Deem. “Parar de assistir pornô é uma das maiores atitudes pró-sexo que uma pessoa pode fazer”. Ou, como diz um dos usuários do website: “Eu só quero ter prazer com o sexo e sentir desejo por outra pessoa novamente”.
Estatísticas recentes sugerem a existência de correlação entre o consumo de pornografia e o aumento dos casos de disfunção erétil entre jovens. Em 1992, cerca de 5% dos homens apresentaram disfunção erétil aos 40 anos de idade, de acordo com o Instituto Nacional de Saúde dos EUA. Um estudo em julho de 2013, publicado no Journal of Sexual Medicine descobriu que 26% dos homens que procuravam tratamento para disfunção erétil tinham menos de 40 anos. Um estudo de 2014 descobriu que um terço de um total de 367 militares americanos abaixo de 40 anos relatava disfunção erétil. Em 2012, um estudo suíço encontrou essa disfunção em um terço de um grupo de homens ainda mais jovens: entre 18 e 25 anos.
Embora não seja possível afirmar que esse aparente aumento no número de casos de disfunção erétil em jovens esteja diretamente relacionado ao consumo de pornografia, o fato é que esse grupo tem consumido cada vez mais esses vídeos. Um dos maiores sites de compartilhamento de vídeos adultos do mundo, o Pornhub, diz que recebe 2,4 milhões de visitantes por hora e que, apenas em 2015, as pessoas ao redor do globo assistiram 4.392.486.580 horas de seu conteúdo, tempo que equivale ao dobro do que a espécie humana já viveu na Terra. A internet é como um buffet 24-horas “coma-à-vontade”, que serve todo tipo de aperitivo sexual. E os jovens estão devorando.
A matéria apresenta a opinião de diversos estudiosos no campo da neurociência e do comportamento. O guru do recém-criado movimento anti-pornô é um antigo professor-adjunto de Biologia da Universidade de Southern Oregon, Gary Wilson, 59. Ele é autor do livro: Your Brain on Porn: Internet Pornography and the Emerging Science of Addiction. O livro argumenta que assistir pornô de forma demasiada afeta o cérebro de múltiplas formas. “A pornografia treina o seu cérebro de forma a necessitar de tudo o que é associado à pornografia para se excitar”. Isto inclui não apenas o conteúdo, mas também o método de entrega. Como os vídeos pornôs são ilimitados, gratuitos e rápidos, os usuários podem clicar e mudar completamente a cena ou o tipo de vídeo assim que sua excitação ceda, de forma a “condicionar seu padrão de excitação à necessidade de novidade constante”.
Um estudo desenvolvido pelo Instituto Max Planck em 2014 descobriu que quanto mais pornografia os homens consumiam, menor é o estriado cerebral, o centro da recompensa no cérebro. E quanto mais pornografia alguém consumia, menor era a resposta desta área a fotos pornográficas.
“A pornografia coloca você no que eu chamo de fuso horário hedonista”, diz Philip Zimbardo, professor emérito de Psicologia da Universidade de Stanford. “Você busca prazer e novidade e vive o momento. Embora não seja quimicamente viciante, a pornografia tem o mesmo efeito no comportamento que a drogadição: algumas pessoas deixam de fazer outras coisas em favor desta prática”, diz. “E então, o problema é que quanto mais você faz isso, os centros de recompensa do seu cérebro perdem a capacidade de excitação”.
A matéria comenta brevemente, ainda, as consequências do consumo de pornografia para as garotas. Garotos consomem mais pornô do que as garotas, o que não é surpreendente. Cerca de metade dos alunos de nível superior nos EUA consomem semanalmente pornografia enquanto apenas 3% das mulheres o fazem.
A autora da matéria argumenta que é comum que a pornografia apresente agressões físicas e psicológicas contra as mulheres como algo sexy. Assim, a pornografia parece agir como um dessensibilizador. Mulheres consumidoras de pornografia são menos propensas a intervir quando veem outra mulher sendo ameaçada ou atacada e demoram mais para perceber quando elas mesmas estão em perigo.
“A pornografia tem um efeito terrível em como as mulheres jovens acreditam que devem ser, particularmente durante o sexo”, diz Leslie Bell, uma psicoterapeuta e autora do livro Hard to Get. É o que diz também uma estudante do colegial da Carolina do Norte: “Quando fico com um cara bem atraente e as coisas começam a ficar mais quentes, de repente minha mente se transforma e eu não sou mais uma pessoa real: é como se fosse uma performance, como se eu estivesse atuando… e eu nem sei quem é essa personagem que eu estou interpretando, quem realmente é essa mulher. Acho que é uma garota imaginada, talvez uma garota de um filme pornô”.
Então, uma vez que a pornografia parece ter se instalado como um Leitmotiv na vida dos jovens conectados do século XXI, o que nós, psicanalistas, a partir do ensino de Lacan, podemos aprender com este fenômeno?
Para Miller, do período vitoriano ao pornô, “não apenas passamos da interdição à permissão, mas à incitação, à intrusão, à provocação, ao forçamento. O que é o pornô senão uma fantasia filmada com uma variedade própria para satisfazer os apetites perversos em sua diversidade? Nada melhor do que a profusão imaginária de corpos se entregando a um “se dar” e a um “se pegar” para mostrar a ausência da relação sexual no real”[2].
Ainda de acordo com Miller, este algo novo na sexualidade tem produzido “masturbadores aliviados de ter de produzir eles mesmos os sonhos quando despertos, uma vez que os encontram feitos, já sonhados para eles. O sexo frágil, no que concerne ao pornô, é o masculino, que cede a isso de muito bom grado”. Miller cita a frequência com que temos ouvido em análise homens se queixando das compulsões de acompanhar “as peripécias pornográficas e até mesmo de estocá-las em uma reserva eletrônica”, enquanto que, em outra perspectiva, aquela do lado das esposas e das amantes, a prática é bem menos frequente. Então, a questão que se impõe para muitos é a de saber se se considera uma traição ou um divertimento sem consequências. Segundo Miller, a clínica da pornografia é do século XXI e merece ser detalhada por ser insistente e por ter se tornado extremamente presente nas análises.
Portanto, pelo que é possível antever a partir dessa reportagem da Times, mencionada acima, somos convocados a discutir este tema trazido pelos jovens e, com os efeitos da clínica, verificar as consequências do furo que a imagem pornográfica exibe, sem véu, no corpo falante do século XXI.
Por Niraldo de Oliveira Santo (comissão científica)