BOLETIM ELETRÔNICO DAS XI Jornadas da EBP - Seção São Paulo Local das Jornadas: Meliá…
O LITORAL E O SONHO
Magno Azevedo
Mariana Galletti Ferretti
Rubens Berlitz
Pela Comissão de Referências Bibliográficas destas Jornadas da EBPSP
“Os sonhos, então, tomariam seu estatuto de sonhos que interpretam
o inconsciente somente quando se atribui a eles esse estatuto, ou
seja, no tratamento. Mas o traço que eles podem deixar se inscreve
no corpo pela potência mesma do significante. Se o sonho é traço
fora do sentido no corpo vivo, o trabalho de análise pode permitir o
surgimento de uma significação: S2. Desde o início, os dois estatutos
do inconsciente, real e transferencial, são encontrados na
interpretação dos sonhos. O sonho muda de estatuto em função do
sonhador. O sonho pode ser efeito de verdade e índice do real.”
Dupont, Laurent; “Da decifração à letra, o caminho do sonho na análise”
Nosso convidado das XI Jornadas da EBP-SP, “Ⱥ verdade e o gozo que não mente “, Laurent Dupont, escreveu um texto para o Papers 4 Sonho, real, verdade[1], do XII Congresso da AMP de Buenos Aires que tinha como título: O Sonho, sua interpretação e seu uso no tratamento lacaniano.
No texto, “Da decifração à letra, o caminho do sonho na análise”, Dupont afirma que o Sonho tem uma ambivalência que se apresenta somente no dispositivo analítico, ele é ao mesmo tempo, “efeito de verdade e índice de real”. Essa afirmação nos remete ao conceito de “litoral” que Lacan apresenta no Seminário, livro 18: de um discurso que não fosse semblante[2], no capítulo Lituraterra. O conceito de “litoral” poderia então ser colocado como uma chave para interpretação dos sonhos?
Talvez uma primeira aproximação a esta questão seja a articulação na direção do tratamento dos conceitos de inconsciente transferencial e inconsciente real. É justamente por ter estrutura de ficção que uma análise constrói um inconsciente. O trabalho interpretativo promovido pela escuta analítica produz o inconsciente transferencial, já que o sentido que surge na cadeia significante é interpretado pelo analista, que faz surgir o encadeamento dos elementos simbólicos, favorecendo novas formas imaginárias. Conforme uma análise caminha, se tropeça naquilo que não pode ser traduzido numa interpretação.
Inconsciente transferencial e inconsciente real estão presentes na interpretação dos sonhos. Por um lado, não é sem o analista que faz parte do conceito de inconsciente, que uma interpretação será possível, portanto há Outro; por outro lado, no final do ensino de Lacan, podemos dizer com Miller[3], que o Outro foi substituído pelo corpo, há Um. Este Outro, que reinava quando da primazia do simbólico é “opacionado”, pela “marca de gozo que imprime no corpo o significante Um antes de obter a significação”[4].
Neste litoral, ainda que estejam presentes desde o início na interpretação dos sonhos, inconsciente transferencial e real, a transferência muda de estatuto, e o que advém no último ensino é a urgência de dizer que evoca ao troumatisme. Desta forma, ainda que não excludentes na direção do tratamento, evidencia-se quanto aos sonhos, uma formação simbólica do inconsciente, mas também há algo da ex-sistência do real em jogo no sonho[5].
E se isso acontece de fato quando isso opera em uma análise?
Lacan vai nos oferecer, também no Seminário 18, uma pista desse momento quando nos diz “a alteração me vem aos lábios e a invenção ao ouvido”[6], ou seja, poderíamos dizer que o sonho e o sonhador se encontram na enunciação, no ato de fala ao analista?
Ótimas questões para serem cozidas enquanto o convidado não chega.