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“Nota sobre a criança”, de Jacques Lacan*
Esse importante texto* de 1969 chama a atenção por aspectos bastante interessantes. Originalmente, foi endereçado a Jenny Aubry, uma pediatra com quem Lacan trabalhava na Escola Freudiana de Paris, e entregue a ela na forma como ele o produziu: duas páginas de uma mesma folha escritas a mão. Seu tamanho reduzido é repleto de frases incisivas. Nelas, Lacan – o próprio se refere a si mesmo em terceira pessoa – foi generoso o suficiente para que esse trabalho se tornasse lapidar no que tange à clínica psicanalítica com crianças; mesmo tendo somente duas páginas, é possível localizar nele conceitos fundamentais da teoria lacaniana – tais como sintoma, fantasia, funções materna e paterna, desejo, objeto e real – precisamente articulados.
Uma das primeiras coisas que Lacan nos diz é que a constituição subjetiva não é da ordem da satisfação das necessidades, pois implica um resíduo e diz do desejo. E é justamente por isso – pela estrutura – que a família conjugal resiste ao tempo. Lacan fala de um desejo que não seja anônimo e com isso parece referir-se a aspectos tanto da função materna quanto da paterna: inscrições psíquicas, investimento libinal, identificações… Para não ser anônimo, o desejo da mãe precisa ser particularizado e o pai deve encarnar a lei a partir de seu nome, servindo de vetor para o desejo.
À dupla parental, o sintoma da criança responde. Sintoma no sentido de representante da verdade. A experiência clínica permitiu a Lacan constatar que o sintoma da criança pode revelar a verdade do casal parental: é complexo, mas é algo acessível ao analista.
Quando a função paterna não opera como mediação entre o ideal do eu e o desejo da mãe, o sintoma que prevalece na criança é efeito da fantasia materna, ou seja, da subjetividade da mãe. Dito de outra forma, o sintoma não é efeito da articulação entre as funções do pai e da mãe, mas sim correlato à fantasia desta última. Neste caso, a criança é tomada como objeto dessa fantasia, saturando a falta da mãe e revelando uma verdade para a qual o seu corpo é via de acesso; a existência do corpo da criança encarna – e, por isso, lhe dá acesso a – a verdade da mãe. Isto pode vir a gerar uma exigência de cuidado que não diz de um desejo particularizado.
O desconhecimento disto, nos diz Lacan, pode provocar sintomas somáticos que atestam culpa, servem de fetiche ou significam uma recusa primordial. Quanto mais real a criança provocar com sua verdade encarnada, mais ela estará subordinada à fantasia materna.
por Mariana Galletti Ferretti (Comissão de biblioteca)
* “Notas sobre a criança”. (2003). In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., p.369-370.