Produção do texto: Emelice Prado, José Danilo Canesin, Jovita Carneiro de Lima, Marisa Nubile e…
Atualidade do texto Além do princípio do prazer: um retorno à letra de Freud.
Relatoria do texto: Eduardo Vallejos
Integrantes da sub-comissão Leituras da Biblioteca: Eduardo Vallejos, Gabriela Malvezzi, Mirmila Musse, Raquel Diaz Degenszajn, Rosângela Turim e Silvia Jacobo.
A comissão de biblioteca da EBP-SP (2021-2023), sob as orientações da Diretora de Biblioteca, Fabiola Ramon, seguindo na esteira do tema de trabalho sugerido pela diretoria nacional de bibliotecas da EBP, promoveu entre agosto de 2021 e março de 2022 a atividade Leituras da Biblioteca que consistiu em três conversações em torno do texto de Freud Além do princípio do prazer[1]. Na época de seu centenário, tal proposta de retorno à letra de Freud nos inspirou a problematizar a atualidade deste texto, interrogando seu edifício teórico construído até então sobre a base do princípio do prazer e do princípio da realidade.
Partimos de quatro questões centrais extraídas de nossas primeiras conversas na comissão: qual a atualidade deste texto e o que ele comporta de subversivo? Quais as consequências do texto no interior da teoria freudiana e qual sua importância na prática da psicanálise hoje? A partir da leitura singular de cada integrante da comissão, o texto foi desdobrado e novas questões puderam ser lançadas ao debate.
Em nosso primeiro encontro, Mirmila Musse nos apresentou o percurso que fez do texto freudiano, partindo da hipótese de que o estilo da própria estrutura do texto apresenta algo que escapa à construção teórica daquilo que está além do princípio do prazer. As tensões e distensões apresentadas no decorrer do texto marcariam um movimento que parece fundamental para forjar o conceito de pulsão de morte.
Silvia Jacobo localizou o ponto de virada que marca um antes e um depois no modo de pensar a paradoxal satisfação que habita o ser falante, no momento em que Freud conceitualiza a compulsão a repetição de onde deriva a pulsão de morte. Este giro o leva a reconsiderar o trauma vinculado à exigência pulsional, localizando assim um resto irredutível e inaugurando a experiência analítica orientada pelo real.
No segundo encontro Gabriela Malvezzi e Raquel Degenszajn animaram a conversação, também apontando de maneira clara para a relação do Além do princípio do prazer com a teoria do gozo em Lacan. Gabriela pautou sua questão a partir de uma afirmação de Fabián Fajnwaks em seu texto Jacques Lacan, precursor das teorias queer: “o gozo sexual, entendido como aquele que designa uma relação particular dos seres falante com o prazer, não é o gozo tal como Lacan o entende”[2]. Neste sentido, seria a pulsão e não o gozo sexual que situaria os seres falantes em uma relação particular e irredutível com o além do princípio do prazer.
Pela via do conceito de compulsão à repetição, Raquel nos introduziu à mesma temática. Ao revelar sua face oculta, a compulsão à repetição seria a própria manifestação da pulsão de morte ou o real impossível de ser simbolizado? Neste sentido, como poderíamos entender a noção de gozo formulada por Lacan em seu segundo ensino?
No último encontro Eduardo Valejjos e Rosângela Turim se encarregaram de disparar a conversação. Eduardo problematizou se poderíamos estabelecer alguma aproximação entre o afeto do ódio e “o gozo que se faz presente na violência concebida como satisfação da pulsão de morte”[3], ideia desenvolvida por J.-A. Miller a partir do ensino de Lacan. Nessa mesma lógica prosseguiu interrogando se poderíamos dizer que o amor já viria como resposta e tratamento ao ódio, uma vez que este é anterior em relação ao amor no que se refere à constituição do sujeito.
Por fim, Rosângela articulou o texto de Freud com o tema do ato a partir de Miller. Segundo ele, “todo ato verdadeiro é de fato um suicídio do sujeito”[4], indicando a passagem ao ato como paradigma do ato. Neste sentido que sua questão se colocou: qual a relação entre a pulsão de morte e o suicídio do sujeito, na medida em que há no suicídio e na passagem ao ato seu apagamento? No ato o sujeito pode renascer, diferente. Teria o ato do analista alguma relação com a pulsão de morte, tal como Freud propõe em Além do Princípio do prazer?
O trabalho desta subcomissão produziu uma discussão que localizou no conceito de pulsão de morte um uso para ler nossa época e sua especial conexão com a teoria do gozo em Lacan. Os sintomas contemporâneos evidenciam a tese de Freud, de que há um além do princípio do prazer em jogo nos sintomas. A assunção da própria posição sexuada, o tema das identificações, das identidades e das comunidades de gozo exigem que sigamos este fio que Freud nos deixou, indicando a dimensão de uma satisfação desprazerosa do sintoma, que resiste ao sentido. Ele ainda nos revela que a pulsão de morte é ineliminável, assim como o trauma da sexualidade, sempre contingente e a partir do qual cada sujeito deve se fazer responsável. Em outras palavras, Freud nos indica que a castração escava um furo que não é passível de simbolização e que produz efeitos no sujeito a partir de sua relação com a pulsão e seus objetos. Trata-se, agora seguindo o ensino de Lacan, do real do sintoma, da parcela de gozo que não se inscreve no simbólico, mas que pode ser lida e escrita no corpo.