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A saída da infância: de que impasse se trata?
No argumento das nossas Jornadas há um ponto central que dá fundamentação ao seu tema – Infância e adolescência: impasses e saídas –, o qual será retomado aqui a partir do texto de Freud “As metamorfoses da puberdade”1. Trata-se da proposição de que haveria uma “articulação lógica entre infância e adolescência”. Esta proposição exige investigação, que pode ser tomada por várias vias.
Com a ajuda de alguns autores, podemos ler como as indicações freudianas permanecem referência essencial para elucidar, ainda, o que é da ordem de uma “ruptura”, um “corte” ou uma “descontinuidade”. E este debate, a partir das coordenadas que encontramos em Freud, estabelece um divisor de águas com qualquer abordagem que tenta situar uma possível articulação entre infância e adolescência pelo caminho de uma “linearidade psicológica gradual”2.
Neste seu terceiro ensaio sobre a teoria da sexualidade, Freud coloca a pulsão no cerne de suas considerações e destaca que as mudanças que ocorrem nesse momento “destinam-se a dar à vida sexual infantil sua forma final normal”. Em torno desta frase poderíamos situar seu intenso trabalho de investigação, que não deixa de fora um exaustivo inventário sobre os determinantes biológicos3. Mas, ao caracterizar estas mudanças de acordo com uma “lógica dedutível da atuação das pulsões”4, tal como nos elucida Daniel Roy, Freud introduz referências cruciais para localizarmos os possíveis impasses em vários âmbitos: na mudança de corpo e de objeto, no modo de satisfação, nas determinações em torno da escolha de objeto, nas reviravoltas em torno de uma autoridade (ou, podemos também dizer, em torno de um saber) antes circunscrita no domínio edípico.
O que se passa em cada um desses âmbitos nos elucida acerca da articulação lógica entre a posição infantil e o que vem depois? E, ainda, caberia nomear como “ruptura” ou “continuidade” o que aí se realiza?
Daniel Roy, ao nos dar uma preciosa chave de leitura do texto freudiano, abre muitas portas para trilharmos em torno destas questões. Primeiro, deslocando parte da discussão freudiana que se centra nas possíveis mudanças que ocorrem no corpo a partir de determinantes biológicos, nos faz ver que se trata de uma mudança ‘de’ corpo e que esta é, de fato, uma mudança de objeto: “antes autoerótica, agora a pulsão encontra o objeto sexual”. Ou seja, é o ‘corpo do outro’ que entra em cena. E como parte dos “ideais da vida sexual”, esse objeto teria como desafio poder conjugar as duas correntes propostas por Freud: a sensual e a afetiva. Dois impasses se colocam: do lado do sensual, “na infância, há uma medida incomum de obtenção de prazer onde o objeto não conta e, por consequência, nada na pulsão predisporia a uma mudança de corpo” e, pela corrente da ternura, sempre o “encontro do objeto é, na verdade, um reencontro”, ou seja, um reencontro do primeiro objeto de amor e “é precisamente a isto que o sujeito deve renunciar na puberdade”5. Assim, temos de ter o cuidado de não pegar, equivocadamente, outra via, que conduziria àquilo que poderíamos nomear como os embaraços na escolha de objeto, pois é justamente a “perda do objeto que estará em questão novamente no momento da puberdade, quando o “encontro do objeto” é de fato o encontro com o Outro sexo”6.
Creio que neste ponto podemos falar de uma articulação lógica, uma vez que o encontro com o objeto se dá, sempre, sob o fundo de uma perda e, como Freud reafirma em várias passagens, o afeto de uma criança por seus pais é o traço infantil mais importante que, após ‘revivido na puberdade’, indica um dos caminhos para a escolha de objeto.
Nesta perspectiva, como situar que o que se realiza é da ordem de uma continuidade ou de uma ruptura? Algo da ordem de uma ruptura, seguindo a leitura que faz Daniel Roy do texto freudiano, talvez possa ser localizado a partir de outra perspectiva: nas consequências que tem para todo sujeito o fato de que um ‘saber novo’ se impõe, qual seja: a constatação de que a excitação sexual, que antes mantinha um lugar na parcialidade das pulsões na posição infantil, engendra e conduz ao ato sexual. Ou seja, agora a libido – “novo aparelhamento do corpo no momento da puberdade” ou, poderíamos dizer, o órgão do gozo – se impõe ao sujeito e cria um campo de tensão entre os corpos no qual o recurso ao falo, órgão pivô da infância para estabelecer a diferença sexual, não pode responder da mesma forma. Se tomarmos a indicação de que a “puberdade é o momento em que o sujeito tem de se haver com a libido sem o recurso do falo”7, para se orientar na repartição entre os sexos, o que irrompe é o furo no saber sobre esta repartição e, consequentemente, entra em jogo o “saber fazer com os semblantes”. Isto, ainda, implica um abandono da posição infantil, daquela em que a “autoridade” dos pais exerce o seu papel para dar ao sujeito a possibilidade de localizar um saber no Outro e, ao mesmo tempo, instalar um furo neste saber por meio das clássicas fantasias dos romances familiares, como tão bem nos conduz a ver Daniel Roy8.
Portanto, proponho como discussão que o que se impõe e faz ruptura é o furo no saber e a exigência, que instauraria um impasse, de avançar justamente quando o saber falta.
Se tomarmos como orientação o fato de que “nos homens, o problema em todas as idades da vida é fazer uso deste órgão suplementar que é a linguagem”9, podemos pensar que a adolescência, como “sintoma da puberdade”10 e seguindo as pegadas deixadas por Freud, é o nome do impasse que se instaura para o sujeito ao se confrontar, de maneira inédita, com a ausência de uma palavra que possa dar conta da irrupção de um novo gozo e do encontro com o Outro sexo.
Por Heloisa Prado R. da Silva Telles (comissão científica)