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“A joia do mundo é um pedaço opaco de coisa…”
Resenha dos artigos:
Forbes, J. (jan., 2012). Entrevista no CIEN-digital, (11). Disponível em: www.institutopsicanalise-mg.com.br/ciendigital/pdf/CIEN-Digital11.pdf
Forbes, J. (25/09/11). “Órfãos do explicável”. In: O ESTADO DE SÃO PAULO – Caderno Aliás. Também disponível em CIEN digital:http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,orfaos-do-explicavel-aprendemos-que-tudo-tem-razao-de-ser-e-ai-vem-a-tragedia-do-menino-de-10-anos-que-se-matou-luto-e-perplexidade-imp-,777227
Forbes, J. [agosto, 2016]. “Girassóis – clinicando as psicoses. Opção Lacaniana, (73), no prelo.
Um novo tratamento do real
“O “tá ligado”, dessa moçada,
a meu ver, não deve
ser visto como uma tolice, como falta de vocabulário ou sinal de
superficialidade. Entendo que revela um aspecto fundamental do
tratamento do impossível no laço social, não mais pela rolha da
compreensão mútua, que tapava o buraco do impossível de tudo
saber, mas que, assumindo esse impossível, reconhece que o que
nos resta é perguntar: -“E aí, isso que me tocou, te toca de alguma
maneira?” Tá ligado?”
Jorge Forbes (CIEN digital n° 11)
A ideia de comentar aqui três textos do mesmo autor orienta-se por um ponto que me interessava rastrear, evidentemente, por sua profunda ligação com o tema de nossas Jornadas, bem como um dos elementos que utilizamos na composição de nossos boletins: a terminologia específica adotada pelos jovens na atualidade. Nos três textos acima mencionados, Forbes toca esse ponto, que tem sido discutido por ele há alguns anos, acerca do momento atual, em que a cultura não é mais regida por um referente unívoco; não estamos mais sob a égide do Nome do Pai como interpretante universal, e sim uma multiplicidade de particulares que se entrecruzam de modo errante. É o que ele identifica como fenômeno dominante na época em que vivemos: “a modernidade nos fez órfãos do Iluminismo”. A que se refere esta afirmação? À ausência de garantias fornecidas por padrões de normalidade outrora vigentes, deixando-nos “ignorantes de nossa condição humana”, “desbussolados”, ineptos… A reação defensiva mais óbvia é a tentativa de restabelecer a ordem, lançando mão de argumentos morais de que até mesmo alguns psicanalistas podem se servir sem perceber a falácia de sua empreitada (certa visada em relação à queda dos valores, dos ideais, dos limites, … como se coubesse à psicanálise a nostalgia de um passado perdido…).
É também assim que Forbes lê o “todos deliram”: “vivemos o tempo, não do diálogo, mas dos monólogos articulados”. Ou seja, se não há padrões referenciais, se não há significados comuns, se não há caminhos pré-estabelecidos, há que se inventar… para cada um! (“Cada um com seu cada um”, como diz o sambista…)
Mas, se o engodo da comunicação universal já não cola, o que nos resta? Estaríamos condenados ao isolamento, cada um no autismo de seu gozo? Decerto que não! É aí que entra a possibilidade de inventar. A isto Forbes dá o nome de responsabilidade: que cada um possa se haver com seu modo particular de satisfação.
Miller, ao lançar o debate sobre a desordem do real no século XXI, afirma que o que era o Nome-do-pai como pedra angular do ensino de Lacan, em determinado momento foi “rebaixado a apenas um sinthoma”, ou seja, uma solução entre outras, diferentes formas de produzir uma suplência ao furo no saber decorrente da constatação da inexistência da relação sexual (da impossível equivalência entre os sexos que uma predeterminação genética conferiria). Se, conforme ele diz ainda, essa mudança identificada por Lacan nos anos 70 “passou à civilização, e o que antes se restringia às proposições lacanianas tornou-se uma das formas de lidar com o mal-estar na civilização”, por que a psicanálise deveria se colocar na contramão?
E é justamente isto que, de certo modo, Forbes propõe ao evocar o “Tá ligado?” dessa “geração mutante”, como ele diz. Não se trata aí de mera função fática, pondera. Não visa a testar o canal de comunicação. A grande ‘sacação’ que ele identifica nessa nova terminologia é condizente com o que Lacan passou a propor nos anos 70. Se notarmos, por exemplo, o que Lacan denomina savoir-y-faire no Seminário 24, veremos que há algo de semelhante ali. Nesse Seminário Lacan propõe um saber que está fora da relação S1-S2, e que se caracteriza por um savoir-y-faire, como no exemplo que dá de sua irmã pequena, que dizia: “Manène sait” e que, afirma Lacan, com isso, “vai à morra”, ou “se toma como portadora de saber” (15/2/77). Ele nos mostra que este é o estatuto do inconsciente real, como furo, lapso, equívoco, parasita linguageiro que está fora do sentido, a tal ponto que se apresenta em terceira pessoa (‘ela sabe’). A referência ao jogo “Morra” (semelhante à nossa “purrinha”, mas sem os palitos), um jogo de adivinhação, vem bem a calhar, pois se trata de acertar o que não se sabe, além do fato de ser um jogo que precisa (como o amor) de pelo menos duas pessoas para acontecer…
E o que isto tem a ver com o “Tá ligado?” ? A meu ver a relação é evidente. Vejamos.
Ao propor uma passagem, na psicanálise, de um “Freud explica” (evocando a revelação de um saber oculto) para um “Freud implica” (que ele denomina “um novo ressoar” movido pela ética da psicanálise como instrumento de leitura e clínica desse novo tempo), Forbes coloca o acento na constatação do “Há Um” decorrente da inexistência da relação sexual, da inexistência de um interpretante universal… e nos diz que isto não é o fim do mundo.
Qual o estatuto desse ‘novo ressoar’ que ele identifica nessa expressão de nossos jovens? A constatação de que não é preciso que as pessoas compartilhem os mesmos significados para que possam estar juntas. Detectar esse novo ressoar exige do analista, é claro, a posição ética de “não se deixar levar por soluções fáceis (e velhas)” e não ceder à tentação de se entregar a “causalidades forçadas”, resistir à “tentativa desesperada, defensiva, de restabelecer um nexo causal”. Assim como no exemplo de Madeleine, o êxito vem de acertar o que não se sabe, mas se toma por sabido. A ideia de vibrar no mesmo tom, ressoar, mesmo que não se saiba o significado do que se diz, é a possibilidade de um encontro, uma conexão, que não passa pela via do entendimento, da concordância mental. E este foi um dos motivos pelos quais adotamos algumas gírias dos jovens atuais como título de nosso Boletim e de suas seções.
O mundo independia de mim – esta era a confiança a que eu tinha chegado: o mundo independia de mim, e não estou entendendo o que estou dizendo, nunca! Nunca mais compreenderei o que eu disser. Pois como poderia eu dizer sem que a palavra mentisse por mim? Como poderei dizer senão timidamente assim: a vida se me é. Vida se me é, e eu não entendo o que digo. E então adoro.