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Os arranjos sintomáticos na infância e adolescência

A queda do referencial paterno juntamente com a incidência do discurso da ciência e do discurso capitalista, trouxe consequências no modo dos sujeitos estabelecerem laços.

Em seu texto “Em direção à adolescência”, Jacques-Alain Miller pontua que “Hélène Deltombe estudou os novos sintomas articulados ao laço social e observou que eles podem se converter em fenômenos de massa e até em epidemias: alcoolismo – conhecemos as alcoolizações em grupo -, toxicomanias, ela coloca na mesma série a anorexia-bulimia, a delinquência, os suicídios em série de adolescentes”. Miller salienta essa socialização dos sintomas dos adolescentes, onde este tempo seria o momento em que a socialização do sujeito pode se dar de modo sintomático, é algo em que a psicanálise precisa se deter.

E, nestas novas formas dos sujeitos se relacionarem nos deparamos com os “novos sintomas”, onde o que impera é um não querer saber e uma exclusão do Outro. Miller pontua que anteriormente o “saber estava no campo do Outro, que era preciso extraí-lo do Outro pelas vias da sedução, da obediência ou da exigência, o que necessitava que se passasse por uma estratégia com o desejo do Outro”. E a atualidade nos apresenta uma nova configuração, onde Miller propõe que hoje o “saber está no bolso”, fazendo alusão ao “saber no bolso” do psicótico, pois diante do insuportável do desejo do Outro, o sujeito encontra formas de não se haver com isso através de uma “autoerótica”, onde o saber não se encontra mais no campo do Outro, e podemos dizer, prescindindo deste, porém, sem servir-se dele.

No que toca à adolescência, Freud afirma que o trabalho desta é o desligamento da autoridade dos pais. Com Lacan podemos acrescentar outro trabalho, que seria o de estabelecer um saber fazer com a inexistência da relação sexual, com o impossível colocado em jogo no encontro com o outro sexual.

Alexandre Stevens, em “Adolescência, sintoma da puberdade”, propõe que “o real da puberdade é a irrupção de um órgão marcado pelo discurso na ausência de um saber sobre o que se pode fazer em face do outro sexo, restando a cada um inventar sua própria resposta”. E dentre as respostas sintomáticas possíveis diante desse real encontramos as “do lado do oral, da demanda de amor”, no caso a anorexia e a bulimia, como forma de “recusa da sexuação”, eliminando todos os atributos de um corpo feminino. Acrescenta outra resposta, a toxicomaníaca, que seria “uma escolha de gozo fora do sexo”.

A partir disso, podemos pensar a adolescência como o tempo de elaboração do parceiro sexual, onde há o abandono dos investimentos libidinais dirigidos aos pais, momento em que há o encontro com um parceiro sexual, em que o real como impossível adquire rosto, contorno e forma.

Na adolescência há o encontro com o real do sexo, que na maioria das vezes é um encontro malsucedido. E isto se pode dizer sobre o fato de ser comumente na adolescência o início do uso de drogas, como recurso diante da inexistência da relação sexual, e também para realizar a separação do Outro parental.

Assim, o ato de se intoxicar possibilita não ter que se haver com o real de seu próprio corpo, nem com o corpo do outro, no intuito de apaziguar a angústia vivenciada no encontro com o outro sexo, possibilitando a anulação desse incômodo, inclusive o interesse pelo parceiro.

Stevens acrescenta que a eficácia dessa resposta toxicomaníaca, como uma das saídas, é que, diante da fragilidade das identificações na adolescência, fornece algo da ordem da nomeação “eu sou toxicômano”.

A adolescência é o tempo de construção, da tentativa de atravessamento do ponto obscuro “quem eu sou?” e esta resposta toxicomaníaca pode servir como nomeação.

Essas formas sintomáticas dos adolescentes estabelecerem laços são pontos sobre os quais nossas Jornadas irão se debruçar.

Por Maria Célia Reinaldo Kato (comissão científica)
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