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As mães em Radio Lacan: “O Chapeuzinho vermelho”
Por Daniel Roy [1]
Vou falar a vocês sobre o conto de Perrault, Chapeuzinho Vermelho. É um de seus contos mais curtos, conheço-o há muito tempo, como muitos de vocês. Mas fui levado a escutá-lo de maneira diferente quando estudava psiquiatria no primeiro Hospital-dia para crianças que abriu em Bordeaux. Havia uma menininha que se interessava particularmente por esse conto e mais precisamente a primeira frase: – “Sua mãe era louca por ela e sua avó mais louca ainda”.
A cada vez que ela escutava esta frase, ficava em um estado de excitação e de nervosismo extremamente intensos. Isto me levou a trabalhar com esta menina em torno da mãe louca e da avó mais louca ainda.
Então faremos essa aposta, para começar, de que esse conto fala da loucura materna. Daremos uma volta para abordar este ponto delicado, pois não é fácil abordar este assunto de forma direta.
Há diferentes níveis discursivos nesse conto. Ele entra no que os folcloristas irão chamar de conto de advertência. Porém, é um conto de advertência especial, na medida em que a mãe envia a pequena menina, a Chapeuzinho Vermelho, até a vovó para levar um bolo e um pequeno pote de manteiga, sem adverti-la do perigo que ela corre na floresta. Ficamos com a pulga atrás da orelha.
Vladmir Propp, em Morfologia do Conto, diz que uma demanda em um conto é o inverso estrito de uma interdição. Há, então, entre a mãe e a avó, algo que circula. Este objeto que circula não é somente o bolo e um pote de manteiga (que ela deve levar à vovó), é também o Chapeuzinho Vermelho. Este nome que Perrault escolhe para essa personagem central que é também o nome do conto, extrai a dimensão da advertência dada pelas mães às filhas, aborda o tema de que se deve tomar cuidado com os diversos lobos que as meninas encontrarão na vida. A moral que Perrault quer dar através desse conto nos orienta a isso. Mas, digamos que a advertência aparece em um primeiro nível do discurso. Porém, não precisamos ficar só nisso.
Para ir além, vamos nos apoiar nos outros elementos do conto que nos levam a um segundo nível de discurso. O momento mais dramático, o final do conto, escutado de maneira tão tensa pelas crianças – com a mistura de prazer e angústia que caracteriza a escuta de todo bom conto –, quando Chapeuzinho Vermelho se despe, vai até a cama e fica surpresa de ver sua avó despida. É toda a série:
– Para que servem estes braços tão longos, vovó? – É para melhor te abraçar, minha netinha.
– Para que servem estas pernas tão grandes, vovó? – É para melhor correr.
– Para que estas orelhas tão grandes, vovó? – É para melhor te escutar, minha netinha.
– Para que estes olhos tão grandes, vovó? – É para melhor te ver, minha netinha.
– Para que servem estes dentes tão grandes, vovó? – É para te comer!
Isto é o que Marc Soriano, que também estudou os contos de Perrault, sublinha desta última réplica:
– É para te comer!
Sublinhamos este fato: a verdade deste conto é que o lobo que substitui a avó, que substitui amãe, representa, encarna a devoração materna. A mãe que escuta que ela te come! E o fato de que é bom ser devorada pela mãe. Este último ponto que eu queria insistir: seja menina ou menino, o Chapeuzinho Vermelho, se faz devorar. Para além da mãe que demanda e que interdita há a mãe que devora.
Então, o que o psicanalista pode dizer é o seguinte: – Já que é assim, é melhor saber disso: você pode ficar com medo; pode tentar evitá-lo; pode tentar esquivar-se disso; pode denunciar o abuso que é; levar consigo e projetar até o fim de sua existência; deixar que tenha a aparência da morte; tentar colocar aí o bastão fálico durante toda a sua vida, jogando-o na cara do lobo devorador; pedir ajuda ao pai lobo, que virá devorar melhor do que a mãe…
É claro que você pode fazer isto por toda a vida, mas vai se cansar!
E como no trecho do conto: e dizendo essas palavras, o malvado lobo se jogou sobre o Chapeuzinho vermelho e a engoliu. Isso é uma constatação, a mãe come! E porque a mãe come? Ela come, pois é ela que dá de comer ao significante, que alimenta o significante. E com o significante você se faz devorar um pouco.
E isto se sabe também no conto, pois há no centro esse prazer da língua que permite sempre recomeçar e escutá-lo, e muitas vezes seguidas. São esses famosos jogos de língua, as repetições: puxe o trinco da porta e ela se abrirá (tire la chevillete et la bobinette cherra[2]),um pequeno pote de manteiga, um pequeno pote de manteiga… que se repete múltiplas vezes, e por fim este diálogo que evoquei há pouco.
É isto aí. A mãe de Chapeuzinho Vermelho é a mãe que encontramos na vida.
Transcrição e tradução- Fernanda Turbat – comissão de boletins
[1] Radio Lacan. Gravado em 05.09.2014. Disponível emhttp://www.radiolacan.com/fr/topic/230/3 [2] N.T.: fórmula emblemática do conto de Charles Perrault. É um tipo de sésamo, que permite penetrar no recinto da vovó, onde acontecerão eventos dramáticos. O efeito da repetição dá um caráter encantado à fórmula de Perrault.