A Fonte (1919), Marcel Duchamp. Flavia Corpas Coordenadora da Comissão de Arte e Cultura das…
Resenha: Como capturar o não reconhecido
A interpretação é um termo tradicional da psicanálise. No entanto, Lacan não a elenca como um de seus conceitos fundamentais.
Muito embora seja um termo corrente na experiência da análise, interpretar pode ainda assumir apenas um caráter de tradução e deciframento.
O que será que se interpreta verdadeiramente? Trata-se de uma questão crucial colocada recentemente por Jacques-Alain Miller quando ele trabalha o conceito de interpretação em um texto como “Interpretar a criança” (2015), por ocasião do lançamento, na França, do Seminário VIde Lacan.
Mas o mesmo Miller, alguns anos antes, nos alerta que “o tempo da interpretação ficou para trás”.
Em um texto seminal para a orientação lacaniana como foi “A interpretação pelo avesso”[1] , ele estabelece uma estreita equivalência entre o inconsciente e a interpretação.
Justamente, é algo que surge no fim do Seminário VI de Lacan, o desejo e sua interpretação. A interpretação seria algo próprio do inconsciente. É o inconsciente que interpreta, afinal, diz ele, “o desejo inconsciente é sua interpretação”.
O inconsciente, então, interpreta. Entretanto, quer ser interpretado, isto é: no desejo de fazer sentido, o inconsciente interpreta e quer ser interpretado. Afinal, uma interpretação sempre chama outra interpretação.
Nesse texto mais recente, Miller nos diz, acerca da clínica psicanalítica com crianças, que um primeiro sentido a dar ao “interpretar a criança” seria “interpretar os pais”. Afinal, qual o lugar que lhes damos?
A interpretação pelo avesso antes, portanto, seria interpretar na contramão do inconsciente. Eis a manobra que nos ensina Miller. Ao interpretar a criança, o psicanalista transmite um método que só funciona então pelo avesso do inconsciente, este fato que o Outro não quer reconhecer.
Assim, o inconsciente se abre para recolher um não reconhecido, tomando como pressuposto o que Lacan afirma ao dizer em sua célebre Nota sobre a criança (1969): “o sintoma da criança acha-se em condição de responder ao que existe de sintomático na estrutura familiar”.
Por Rodrigo Camargo – comissão de boletins
*Resenha do texto de Jacques-Alain Miller “Interpréter l’enfant” publicado no site da École de la Cause freudienne(http://www.causefreudienne.net/interpreter-lenfant/) e recém-lançado em Opção Lacaniana n° 72. Trata-se de uma intervenção de Miller feita na segunda Journée de l’Institut de l’Enfant, Issy-les-Moulineaux, em 23 de março de 2013.
[1] Miller, J.-A. (abr., 1996). “A interpretação pelo avesso”. Opção Lacaniana, (15).