Por Niraldo de Oliveira Santos EBP/AMP “Alguns sendo singulares, se ajuntam, e podem ser colocados…
#Pergunta e resposta
Por Leonardo Gorostiza
Pergunta: Em uma entrevista publicada em Registros 10, Un nuevo amor, você diz que “A escrita acentua a ausência do objeto enquanto presença carnal, sendo este o paradigma do amor cortês”. Podemos tomar essa afirmação que você traz para pensar o sucesso das relações virtuais, ou do uso dos aplicativos nos relacionamentos na contemporaneidade, já que a palavra de amor e a escrita de amor cernem de distintas maneiras o gozo? E com relação ao processo psicanalítico, o que se poderia dizer?
Gorostiza: Não poderia afirmar que “o sucesso das relações virtuais” possa ser explicado pela menção que você faz ao que eu dizia em tal entrevista. Como costumamos dizer, não existem para nós, psicanalistas de Orientação lacaniana, orientações que possam ser consideradas de alcance universal. Sempre tratar-se-á do caso a caso. Assim, em alguns casos talvez ocorra o que você sugere: que a escrita via internet, que por sua brevidade em geral se diferencia muito das clássicas cartas ou poemas do amor cortês, possa cumprir a função de acentuar a ausência do objeto enquanto presença carnal. Enquanto que em outros casos, por exemplo mediante o uso do WhatsApp, a aceleração temporal do intercâmbio de mensagens entre grandes distâncias geográficas, pode ter o efeito inverso: provocar a ilusão de que o objeto está “presente”. Assim mesmo, não esqueçamos que os laços virtuais fazem uso, cada vez mais, das imagens. As quais, se bem não se confundem com o objeto “carnal”, estão longe de produzir, como as cartas de amor o fazem, uma circunscrição, um contorno, em torno do objeto ausente.
Nesse sentido, há uma diferença entre a palavra de amor e a carta de amor. A palavra de amor se dirige ao objeto em presença e pode ser a condição para o encontro, inclusive dos corpos. Além disso, no limite, a palavra de amor – tal como o assinala Lacan em “De uma questão preliminar…”-, como “jaculatória de amor”, se localiza no mesmo registro que a injúria. Ou seja, como um uso do significante que, reduzido a sua unicidade, como um S1, aponta a alcançar o “ser” do objeto de amor. “Chuchuzinho!”, é um dos exemplos que Lacan menciona ali. Enquanto que a carta de amor, tal como dizia antes, supõe um encadeamento significante que contorna o objeto e que, nesse próprio percurso, acentua sua ausência ao mesmo tempo que a gera como tal. De certo modo, tal como Lacan assinala no Seminário 7 sobre A ética da psicanálises com os poemas de amor cortês eleva-se a Dama à dignidade da Coisa, ou seja, corresponde a um processo de sublimação que, na medida em que é um destino da pulsão, contorna seu objeto. O que não impede que, tanto nestas “cartas de amor” como nos escritos dos místicos, ao aproximar-se do objeto ausente e inalcançável, as jaculatórias possam também ter lugar.
A partir desta perspectiva, podemos concluir que, na experiência analítica o analista, ao ocupar o lugar do objeto a e pela regra da abstinência, encarna em presença o objeto ausente ou, dito de outro modo, põe em ato a “não relação sexual”. Assim, a associação livre do analisante pode ser considerada como um equivalente da carta de amor. O que deixa aberto o debate acerca de qual lugar dar, em nossa prática ao uso dos sistemas virtuais de comunicação. Nestes, efetivamente, o corpo, ao estar subtraído rebaixa a potência paradoxal de uma presença, a do corpo do analista que, pela regra da abstinência, faz ainda mais patente a impossibilidade da relação pelo fato de não permanecer velada pelos limites próprios do meio tecnológico que se utilize.