EIXOS TEMÁTICOS
Eixo I
SÓ RISO?!
Em Freud[1], há uma diferença entre o cômico, que se contenta com duas pessoas, e o chiste, em que a terceira pessoa é indispensável. Lacan ressalta o efeito de surpresa onde algo escapa ao sentido provocando o riso. Diferente do cômico que é dual, onde o riso se dá no eixo a–a’, o Witz inclui o Outro, enquanto “fiador da linguagem”[2]. Por ser um dizer espirituoso, o Witz provoca o riso, fonte de satisfação, de gozo. Trata-se do “inconsciente em sua mais pura essência”[3]. Em seu acontecer fortuito, constata-se que no instante seguinte o furo é tampado e já “não há mais nada a encontrar”[4]. Onde podemos localizar o riso em uma análise? Qual sua função? Onde o riso interessa mais, ao lado do cômico ou do chiste? Lacan equivale o ângulo do humor ao reconhecimento do cômico[5], e este, ao objeto velado. Refere-se à excomunhão da qual foi alvo, apontando a dimensão cômica de se ver no lugar de negociado. Aí surge o objeto, velado por natureza: o cômico puro. O valor de troca revela o cômico puro e o objeto. Na comédia dos sexos, o falo faz com que, ao se levantar o véu, aquilo que se vê seja irrisório. Há algo de cômico neste desmascaramento. Para Lacan, o falo “irrealiza”[6] a relação entre os sexos, levando à comédia das estratégias psíquicas imaginárias para fazer a relação sexual existir. Não seria justamente por isso que este tema é representado tão amiúde na comédia?
Eixo II
O RISO E A POLÍTICA
O riso, como objeto, é um resto de operação do cômico. O que temos no cômico? Os equívocos, os erros, os enganos e os fracassos. A comédia é o universo dos vícios dos homens, suas paixões, seus objetos de gozo, seus desejos. Seriam todas as aspirações humanas risíveis? Estaria a ironia fadada à impotência nestes tempos de identificações tão consistentes? Em um mundo de cancelamentos, trollagens e fake News, qual posição ocuparia a psicanálise: irônica ou ironizada? Como ela poderia fazer obstáculo a essa série? Lacan, em “O Aturdito”, sugere que a aposta na “ordem cômica” opere esse limite pela redução do sentido e extração do gozo. O riso também ocupa o lugar do rancor, da inveja e da malevolência na vida dos homens e em seu habitat político. É o riso da Schadenfreude, a alegria de ver a desgraça alheia. É o escárnio, onipresente em nossos debates políticos, que se utiliza da ilusão da Universal e transforma a Particular, a exceção, em um pária, um ser abjeto e ultrajante. Seria o deboche um riso que anula os corpos e comportamentos que não fazem parte do apetite das maiorias ou uma potente arma frente à truculência do discurso do mestre? No mundo dos tribunais virtuais, será que teremos leitores capazes de diferenciar uma risada provocada por um Supereu facínora de uma risada irônica?
Eixo III
MANUAL DO RISO EM UMA ANÁLISE
ou
RISO – ‘MODOS DE USO’ NA CLÍNICA
Como o riso irrompe na clínica psicanalítica? Quais os seus modos de uso? Como a subversão cômica aponta para o incontrolável no falasser, ou seja, seus modos de gozo? E quanto à resistência exercida pelo supereu sobre qualquer barreira imposta ao gozo? O real está no encalço do falante, o sem-sentido prepondera, alijando a palavra e o sentido das possibilidades de tratamento do mal-estar. Diante do real sem lei e da constatação da inexistência da relação sexual, aposta-se na clínica irônica[7], no chiste, no Witz, no riso e no humor, tanto na entrada em análise como em seu percurso e no final, sem, contudo, prescindir da crença nos semblantes[8]. Se, no início da análise, há a história e a tragédia, no final forja-se a histoeria, a comédia da história, o riso e a satisfação. Assim, na entrada em análise, como não rir, ou fazer rir através do gesto e do equívoco, nas contorções transferenciais? Durante a análise, caberia o riso ou a ironia na construção da fantasia? E no final, como não rir do sinthoma? Enfim, como não apreciar – por exemplo, na equivocação entre sueco/su-eco[9] – a irrupção do riso nos testemunhos dos AE ao evocarem suas próprias comédias?