Eixo 1 – Declinações clínicas do ato
Gustavo Oliveira Menezes
Maria Célia Reinaldo Kato
Rômulo Ferreira da Silva
A partir do ato, o que o analista institui como experiência analítica? Freud aborda o ato falho enquanto formação do inconsciente. É o que emerge e que ultrapassa o sujeito. Lacan, no Seminário 11, dirá que aí se instaura a dimensão da perda e introduz a concepção de que o inconsciente se manifesta como o que vacila num corte do sujeito. Assim, o importante no ato nesta perspectiva é o que escapa. Como o advento do ato falho dá abertura para o ato do analista?
Podemos localizar outras duas declinações clínicas: a passagem ao ato e o acting out. Segundo Miller, Lacan faz do ato suicida o modelo do ato. Se a passagem ao ato é o momento de maior embaraço do sujeito, que identificado com o objeto a precipita-se para fora da cena, o acting out é seu oposto. Neste, o que surge é seu caráter de mostração, sua relação com o Outro a quem clama por interpretação. O que essas duas declinações ensinam sobre a posição do analista frente ao ato analítico?
O ato analítico é corte, mas pode ser sutura em situações específicas? Qual a relação entre a contingência do ato e a inexistência da relação sexual? A supervisão se apresenta como lugar privilegiado para que o controle do ato esteja em causa na formação infinita do analista. Como a prática da supervisão pode servir para interrogar o ato do analista na direção do tratamento?
Eixo 2 – Ato analítico e tempo
Daniela de Camargo Barros Affonso
Maria Bernadette Soares de Sant´Ana Pitteri
Valéria Ferranti
Em “O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada”, o ato analítico estaria num tempo caracterizado pela precipitação no momento de concluir. O instante de ver é sem duração enquanto o tempo de compreender é de elaboração, subjetivo, histórico, diacrônico.
Para Aristóteles, o tempo se relaciona ao movimento num determinado tempo: como o movimento não cessa, o tempo não tem fim. Postula um Primeiro Motor que move o mundo por atração e não por propulsão: imóvel, imutável, perfeito, pura forma, puro ato.
Lacan levou às últimas consequências a subversão do tempo padrão no tratamento feito por Freud, utilizando não o relógio, mas o ato do psicanalista, marcando uma nova temporalidade. Como pensar o tempo lógico e o ato teorizado por Aristóteles?
Miller, em A erótica do tempo, diz que o ato analítico retira o sujeito da eternidade da neurose e promove uma subversão. A sessão analítica é “um lapso de tempo especial, em que o sujeito é levado a fazer a experiência pura da reversão temporal”. A interpretação não pode ocorrer em qualquer momento: ela se inscreve numa modalidade temporal específica, a surpresa, momento não homogêneo, imprevisto, no qual as condições prévias são perturbadas, apagadas, remanejadas.
A sessão seria uma espécie de aspas no tempo e o tempo variável põe em xeque a cronologia e inclui o tempo lógico. Haveria uma articulação entre a diacronia e a lógica? Miller diz que praticamos uma “estratificação do tempo”.
Miller, com Freud em “Além do Princípio do Prazer”, discute o que chama de teorema kantiano, segundo o qual tempo e espaço seriam formas necessárias do pensamento. Para Freud, a descoberta do inconsciente desmente a teoria do tempo absoluto de Newton e a filosofia de Kant e se, para Freud, o inconsciente é atemporal, para Lacan seria a eternização do tempo?
Eixo 3 – Ato analítico e civilização
Fabiola Ramon
Milena Vicari Crastelo
Patrícia Badari
O ato de Freud funda a psicanálise e interpreta a civilização. O ato[1] de Lacan funda uma Escola, alicerçada no cartel e no passe, uma resposta lógica à queda do Pai.
Em 2017, Miller inaugura o Ano Zero no campo freudiano e opera um ato ao incluir uma quarta extensão ao que eram três dimensões da instituição analítica[2]: o campo da política.
A subida do objeto a ao zênite social[3] coloca em convergência o discurso do analista e o discurso da civilização[4].
Lacan localiza um novo regime do laço social a partir do fantasma e do gozo, e não mais a partir da identificação[5], configurando novos sintomas e, consequentemente, diversos campos de interesse à psicanálise, tais como: identidades sexuais, segregação racial, violência, feminicídio, cultura do cancelamento, movimento woke, feminismo, comunidades virtuais, democracia sanitária e outros.
À psicanálise cabe fazer obstáculo ao universal[6], não se trata de se contrapor a ele, mas de ressituá-lo, fazendo aparecer os axiomas lógicos do discurso universal.
Uma questão insiste na atualidade da prática analítica: como podemos levar as bases de um discurso que se alicerça na não existência da relação sexual e no sintoma e que aponta para o real do gozo para o campo da política na civilização?
[1] Lacan, J. (1964/ 2003). “Ato de Fundação”. In Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
[2] Seções de Psicanálise Pura, Psicanálise Aplicada e Recenseamento do Campo Freudiano.
[3] Lacan, J. (1970/2003). “Radiofonia”. In Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
[4] Miller, J-A. (2005). “Uma fantasia”. Opção Lacaniana, n. 42, fevereiro.
[5] Laurent. É. (2016). “La jouissance et le corps social”. Lacan Quotidien, n. 594. http://www.lacanquotidien.fr/blog/wp-content/uploads/2016/07/LQ-594.pdf
[6] La Sagna, P ; Adam, R. Fazer obstáculo ao universal – “O aturdito” de Lacan, literalmente. Entrevista. Correio. n. 85, abril 2021.
Eixo 4 – Ato analítico e política do sintoma
Cristiana Chacon Gallo
Niraldo de Oliveira Santos
Veridiana Marucio
O sintoma consiste no que a psicanálise tem de mais concreto para se fazer presente no mundo. Considerar uma política do sintoma permite à psicanálise, por meio da interpretação, aceder àquilo que há de mais singular no falasser e, ao mesmo tempo, retirar desta leitura as coordenadas da subjetividade da época.
Com Lacan, a interpretação própria ao psicanalista aponta para o fora do sentido, para o real, e localiza o sintoma como portador da verdade do sujeito do nosso tempo e do seu mais-de-gozar. A clínica e a política da psicanálise, sustentadas pelo ato psicanalítico, dirigem-se a um forçamento para localizar um gozo impossível de negativizar, permitindo fazer existir um psicanalista e fazendo assim durar a psicanálise.
Há duas perspectivas para a política do sintoma: uma para dentro, a psicanálise pura que leva ao passe; e outra para fora e se dirige ao social, à cidade. A sociedade do sintoma, os imperativos contemporâneos, o empuxo aos resultados rápidos, os ‘novos sintomas’, os “sintomas-etiquetas” e as políticas identitárias: o que atestam os sintomas que o psicanalista recolhe em sua clínica no século XXI?
Eixo 5 – A passagem de psicanalisante a psicanalista
Alessandra Sartorello Pecego
Cássia Maria Rumenos Guardado
Fernando Prota
Na Escola de Lacan, ecoa a questão central e ímpar: o que é um psicanalista? Ele não se define ou se captura, ele dá testemunho de sua verdade mentirosa. Não é um ideal e, assim, sofre os efeitos discursivos que atravessam a cultura.
O momento de concluir de uma análise é marcado pela disjunção do sujeito e do objeto, efeito do ato analítico, operando a derradeira fratura da fantasia. Nesse furo, destitui-se o próprio sujeito que instaurou o ato, e resulta o objeto resto no lugar de causa e a apreensão do desejo como um de-ser.
A passagem de psicanalisante a psicanalista é precipitada por esse ato. Ato que é um consentimento do analisante em dar um passo ao fim de sua própria experiência de análise, sem permanecer à deriva do deciframento e da interpretação. Não mais defender-se contra o Real, identificando-se ao Sinthoma. O essencial se passa no plano do objeto.
O Passe dará voz àqueles que desejarem dar testemunho dessa travessia e de seus impasses realizados numa experiência única de cura. É uma escolha que pressupõe um laço inédito com a Escola de Lacan. Um AE é aquele que pode interpretar a Escola e que elege o sujeito suposto saber no ensino da psicanálise, via de formação analítica, depreendida dessa radical e singular experiência.
Podemos esperar, como efeito do ato de um AE, uma interpretação da Escola sujeito? Podemos esperar uma interpretação da própria cultura? Qual a importância do AE para tornar a Escola um espaço que seja um laboratório de experiência de-segregativa?
Lacan aponta a “satisfação” como marca do fim. Como podemos ler nos testemunhos de Passe a satisfação que marca o fim da análise? E como articular essa satisfação ligada ao Sinthoma, com o que se transmite no dispositivo do Passe e a “satisfação de uma urgência” que preside a análise?