“Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise”, hoje… e sempre
“Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise”, hoje… e sempre
Cássia M. R. Guardado (EBP/AMP)
Lacan, em princípio, impedido de falar no Congresso de Roma, devido a “graves dissenções” que implicaram em uma secessão no grupo francês, pode finalmente apresentar seu discurso, cujo tema era falar da fala. Diz então ter sido socorrido nisso pela contingência que o próprio lugar – Roma – lhe proporcionava.
Lembrou-se que “Aulo Gélio, em suas Noites Áticas, dera ao local chamado de Mons Vaticanus a etimologia de vagire, que designa os primeiros balbucios da fala”¹. E prossegue dizendo que “caso seu discurso não viesse a ser nada além de um vagido, ao menos colheria ali o auspício de renovar em sua disciplina os fundamentos que ela retira da linguagem”².
Um dos motivos para que Lacan fizesse sua exposição foi não privar “a maioria estudantil que aderia a seu ensino”, o que faz Lacan destacar que se “seus ouvintes são esses estudantes que esperam de nós a fala, foi sobretudo para eles que fomentou seu discurso para renunciar, às regras que se observam entre os áugures, de imitarem o rigor através da minúcia, e confundirem regra e certeza”³.
O propósito de Lacan era outro. Apesar de dedicar toda a primeira parte desse escrito à fala vazia e à fala plena, retoma a questão de quando a palavra é palavra em Psicanálise, na aula de 16 de junho de 1954⁴, com a fábula sobre os companheiros de Ulisses que foram transformados em porcos, e se comunicam por grunhidos. E Lacan pergunta se um grunhido é uma palavra. E diz que um grunhido, ou uma palavra, ou um vagido podemos dizer, só é uma palavra na medida em que é endereçada a alguém, e alguém que acredita nela. E que no endereçamento ao outro, há uma transmissão, função de quem ensina, e onde melhor se inscreve o valor da experiência.
Vemos Lacan destacar novamente a importância do endereçamento da palavra ao outro, na Abertura dos Escritos (outubro de 1966), ao invocar o novo leitor, do qual se fez argumento para tal publicação, na medida em que é dele que deve advir a destinação da carta/letra um dia desviada, e a elucidação de sua mensagem.
Não teria Lacan, em “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise”, de 1953, com sua menção ao vagido que seu discurso poderia ser, prenunciado já, no texto inaugural de seu ensino, o que mais tarde viria a ser o conceito de letra e de lalangue, marcando o parlêtre, o ser de fala, para além do significante e da linguagem?
LACAN, J. “Função e campo da fala e da linguagem”. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 239.
________ Ibid.
________ Ibid.
________ “A função criativa da palavra”. In: O Seminário, livro 1, os escritos técnicos de Freud. Op. Cit. 1983, p. 272 e 27