Editorial
Marilsa Basso (EBP/AMP)
A EBP – Seção SP, com esta publicação, traz um tema cuja invenção se deu em pleno fervor político-social da psicanálise: o dispositivo do cartel na Escola.
Ariel Bogochvol traz sua posição e opinião sobre a atualidade do funcionamento e da função dos cartéis na Escola e na Seção SP.
Massas, grupos, cartéis e rede social, sendo esse último termo o “que perturba os demais desta lista… o estranho familiar”. É o que Rodrigo Lyra Carvalho desenvolve à sua precisa maneira de transmitir o trabalho em cartel: “a nossa rede social”.
O “não-membro” articulado à “extimidade do mais-um”, numa experiência singular que fez eco, é uma interpretação possível sustentada no trabalho de Niraldo Santos cuja declaração à Escola demonstra seu laço.
O rigor epistêmico de Daniela Affonso segue as linhas deste seu produto pelo fio de sua questão “A psicanálise nos tempos de novas formas de autoritarismo”.
“Amar e odiar demais” são tomados por Maria de Fátima Luzia como premissas modernas que deixam o sujeito no seu transbordamento de gozo.
Natália Cassim compartilha um pouco de sua experiência na instituição. Lá onde o discurso do mestre impera, qual torção é possível?
Eis porque o trabalho em cartel permite circular nos mais diversos modos de enodamento de nossa rede!
Os Cartéis...
Abertura da Jornada de Cartéis EBP-Seção SP(1)
Ariel Bogochvol (EBP/AMP)
A Jornada de Cartéis é o momento institucional privilegiado para apresentação e discussão dos produtos dos cartéis.
Os cartéis foram propostos por Lacan no Ato de Fundação da EFP, em 1964, como os órgãos principais de um organismo cuja finalidade era realizar “um trabalho que, no campo aberto por Freud, restaurasse a lâmina cortante de sua verdade.” (2) A nova Escola deveria funcionar segundo o “princípio de uma elaboração apoiada em pequenos grupos.”(3)
Inspirou-se nos pequenos grupos criados por Bion e Rickman em instituições para recuperação de militares durante a 2ª guerra. O novo organismo nascia em meio a uma guerra interna na psicanálise para combater os “desvios e concessões que amortecem o seu progresso” (4), a IPA, em prol da verdade e da causa freudiana.
Três a cinco pessoas mais-uma se reúnem por um tempo não maior do que dois anos e fazem juntamente um trabalho que deve produzir trabalhos próprios, de cada um, autorais.
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O cartel e a psicologia das redes sociais1
Rodrigo Lyra Carvalho (EBP/AMP)
O título dessa Jornada traz três termos objetos usuais de nossa atenção: massas, grupos e cartéis. Rede social é o que perturba a lista, o unheimlich, o estranho familiar.
A ideia de rede ocupou lugar central no ensino de Lacan. Em 1968 ele afirmou que havia entrado “na psicanálise com uma vassourinha que se chamava estádio do espelho” (10/1/1968). A função era varrer as tendências que essencializavam a subjetividade e transmitir o eu como uma montagem múltipla, uma conexão de distintos elementos. O ser falante só existe em rede que poderíamos chamar de social, pois não é apenas biológica.
O termo rede social nos convoca por um motivo suplementar, menos familiar e mais estranho: as últimas décadas foram marcadas, com a disseminação da internet, por um exponencial desenvolvimento de hardwares e softwares que impactaram o modo como as redes se constituem, como, nelas, os seres falantes se constituem e se organizam.
...e seus produtos
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A psicanálise na era do homem-empresa e do significante “neuro”¹
Daniela de Camargo Barros Affonso (EBP/AMP)
A questão que me propus trabalhar neste cartel – “A psicanálise nos tempos das novas formas de autoritarismo” – origina-se da ideia de que as formas conhecidas do autoritarismo se tornaram insuficientes para explicar o enfraquecimento da democracia. Para Laval e Dardot, em A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal ², apesar de existirem mais países formalmente democráticos, há uma desconfiança generalizada entre governantes e governados. Se a democracia liberal estava longe de ser perfeita, ainda havia disparidade entre a expressão da vontade popular e a lógica econômica da acumulação do capital. O neoliberalismo produz a liquidação deste jogo, que permitia ações limitantes dos efeitos negativos do capitalismo.
Parte daí o interesse da psicanálise neste debate. Pensar que a psicanálise é exclusivamente uma experiência do um a um, alheia ao mal-estar do social, é um erro, diz Miller³, lembrando que a própria existência da psicanálise vincula-se à democracia, único regime garantidor da liberdade de expressão.
A presença do discurso do analista faz (des)conexão com o discurso institucional?¹
Natália Cassim
“Nós não fazemos diferença, em psicanálise,
entre a realidade psíquica e a realidade social.
A realidade psíquica é a realidade social”
J. –A. Miller²
O Hospital de Amor é uma instituição de saúde filantrópica brasileira especializada no tratamento e prevenção de câncer com sede em Barretos-SP, e era nomeada Hospital de Câncer de Barretos anteriormente. Em uma manobra institucional rígida, o significante câncer foi apagado em decorrência da imposição do novo significante: amor. O sujeito está excluído desta associação significante, uma vez que essa decisão não foi discutida em nenhum âmbito. No lugar da “morte” (câncer) impôs-se a “vida” (amor). Uma tensão que se acirra entre morte x vida sem advir o sujeito, o falar sobre e diante disso.
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Um pequeno ensaio sobre o ódio
Maria de Fátima S. Luzia (Associada ao CLIN-a)
“Não se odiaria, se não se tivesse que se odiar
a si mesmo ao mesmo tempo”
Nimier 1951
O que nos faz odiar?
Amar e odiar demais, signos de um tempo que nos mostram o quanto podemos ser mortíferos na relação com esses afetos.
Em sua “Introdução ao Narcisismo”, Freud desenvolve sua teoria ao redor de um lugar mítico de puro prazer, onde as pulsões se satisfazem autoeroticamente. Mas logo nos convoca a pensar que este lugar aloja também o desprazer e é através dele que o dentro e o fora se estabelece, esse excesso hostil de libido liberada retorna e é percebida como estranha e invasiva.
Lacan aponta que o ódio tem um excedente que vai além da relação imaginária, dizendo que ele é mesmo o que mais se aproxima do ser onde se situa a ex-sistência; nasce juntamente com o sujeito na sua entrada na linguagem, que é traumática e que o marca em sua existência de ser na forma de repetição.
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Do justo lugar ao objeto no cartel¹
Niraldo Santos (Associado da CLIPP)
Como o mais-um um pode ser um agente provocador e, ao mesmo tempo, trabalhador? Miller² nos diz que uma elaboração é sempre provocada, uma vez que a vocação do ser humano está para a preguiça. A partir da teoria dos Discursos em Lacan, Miller nos aponta o discurso que melhor corresponde ao mais-um.
“O mais-um tem a incumbência de uma direção”³. Miller nos diz que há uma tendência a exercer esta incumbência como senhor. Porém, caso ocupe este lugar, o trabalho se resumiria a uma produção de saber que já estava lá. Por outro lado, caso o apelo ao mais-um seja àquele que sabe ou saberia, produzirá $, o apelo ao mais-um como analista.
Então, para Miller, o discurso que melhor corresponde à função do mais-um é o da histérica: “é preciso não esquecer que Lacan dizia que era quase a (estrutura) do discurso da ciência”4. No discurso histérico, $ que se dirige a S1 para produzir S2, o agente se permite ocultar, em seu vazio, a causa do desejo, sob as aparências de agalma: $ sobre a. O que fazer do a no cartel?
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