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Editorial
Valéria Ferranti
(EBP/AMP)
Dias sombrios estes que antecedem a escrita deste editorial. A violência que faz calar – pois leva ao limite da morte – também faz falar e convoca cada um a tomar uma posição. Não há como ficar indiferente.
Este número da Carta de São Paulo online é político. Político pelos acontecimentos que antecedem a sua publicação, bem como por tomar a aula de Jacques-Alain Miller de 24 de junho de 2017 para ser comentada pelo Conselho da Seção São Paulo, que encerrou sua gestão em fevereiro deste ano.
Cada Conselheira pôde colocar sua lupa em um aspecto da aula, naquilo que mais lhe toca, e o leitor poderá acompanhar as articulações produzidas, de onde extraio alguns pontos.
“Convém ao analista tomar partido, mas não lhe convém ser partidário”, articulação precisa frente à convocatória feita por Miller de que o analista lacaniano deveria “irromper em praça pública, tomar partido.” Esclarecendo que o único partido possível é o do Real em jogo, seja na clínica ou na política.
E como sustentá-lo? Pelo desejo do analista.
Analista, sua prática e sua época, postos em questão. “(…) não deixar dissolver-se o sentido comum do praticante, não deixar esse sentido comum enrijecer em dogmatismo e, para tanto, continuar deixando-se interrogar pela prática analítica.”
“O analista não é indiferente, nem é aquele que não elege porque tem uma ética. Lacan desenvolveu uma ética da psicanálise que admite que na posição mesma do analista há uma eleição. Assinalemos que o termo ética não é uma moral e inclui a política.”
Por um lado, a cena política – que poderia chamar de interna – não é tomada pelo narcisismo, pela lógica dos grupos e pela cola imaginária, mas sim “pela suposição de saber e pelos laços agalmáticos como condição para a existência mesma da Escola.” E por outro – na cena política social –, “cabe ao analista interpretar o discurso do mestre a partir do que lhe faz furo e devolver ao sujeito a escolha, a escolha decidida dessa relação com o significante que o discurso do mestre institui”.
Escolha, desejo, fala, Escola… que estejamos à altura da subjetividade da nossa época para fazer frente a qualquer tentativa de fazer calar.
Boa leitura.
"Ano Zero"
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A diferença do psicanalista da Escola
Carmen Silvia Cervelatti (EBP/AMP)
“Em uma Escola, tudo é da ordem do analítico. É um axioma, a condição para que uma Escola seja interessante.”[1]
Uma pequena articulação entre dois momentos da enunciação de Miller: 2000 – Teoria de Turim, quando articulou a Escola é um sujeito e o Seminário de 24 de junho de 2017, nomeado como passe da Escola, após pontuar as repetições do mesmo nos diversos momentos da espiral da história do Campo freudiano, desde a fundação da Escola freudiana de Paris em 1964, passando pela ECF em 1980. Três momentos “ano zero”.
O amor à verdade e o desejo do analista
Maria Cecília Galletti Ferretti (EBP/AMP)
Dentre os temas tratados por Jacques- Alain Miller em sua primeira aula do Curso de psicanálise de 24 de junho de 2017, saliento aquele referente à questão da verdade em sua articulação com o desejo do analista.
Gostaria de iniciar este pequeno comentário com uma referência ao Seminário 17 – O avesso da psicanálise, e mais especificamente aos capítulos intitulados “A impotência da verdade” e “ O poder dos impossíveis”.
Lacan cita aí o texto de Freud, Analise terminável e interminável, afirmando que para Freud, neste momento, caberia ao analista não esquecer que “a relação analítica (…) está fundada no amor à verdade (…)”[1].
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Escola-Sujeito “Ano Zero”
Maria Bernadette Soares de Sant´Ana Pitteri (EBP/AMP)
No dia 24 de junho de 2017, Miller surpreende ao dizer que “tudo começa sem ser destruído para ser levado a um nível superior”, “Ano Zero”, novo começo para o Campo Freudiano, aufhebung hegeliana que levaria à “Escola-Sujeito”.
A dialética hegeliana pressupõe conservar o que existe para superá-lo, num movimento de espiral ascendente. Quando determinado, o momento do Espírito Universal gera contradições e a dialética as absorve, o que possibilita o advento de um novo momento. O espírito de nosso tempo está prenhe de contradições e Miller propõe um movimento dialético na Escola de Lacan, conservando o que existe para elevar a um nível superior: o “Ano Zero” da Psicanálise que inclua a “Escola-Sujeito”.
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Ano Zero – Desejo do analista X
Cynthia N. de Freitas Farias (EBP/AMP)
Um novo começo, uma mudança, uma transfiguração, uma aufhebung segundo o termo de Hegel” […] “tudo começa sem ser destruído para ser levado a um nível superior”. Este ponto de capiton do qual parte Miller para interpretar os acontecimentos políticos de março de 2017 que balançaram o Campo Freudiano recai, a meu ver, sobre cada termo e conceito que ele recupera tanto em Freud quanto em Lacan para dar consequências ao movimento iniciado pelos analistas lacanianos: “irromper em praça pública, tomar partido”[1].
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É possível ser herético da boa maneira?
Paola Salinas (EBP/AMP)
A proposta de Miller denominada Ano Zero toca o fundamento do discurso analítico, no campo “social”, e no que concerne à posição do analista, enfatizando o compromisso com o campo aberto por Freud.
Interessou-se por apontar que tal relação com o social perpassa a posição do analista e sua relação com o narcisismo. Assim, tratar-se-ia de abandonar o narcisismo das pequenas diferenças e colocar em jogo, na aposta da psicanálise na polis e na Escola, um outro uso do narcisismo a serviço de um estilo, satisfação incluída na escolha, que implica um ato e uma posição.
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O analista, sua prática e sua época
Patricia Badari (EBP/AMP)
O significante “Ano Zero” é uma interpretação. Uma interpretação de J.–A. Miller sobre o que se passou em 2017 no Campo Freudiano, mas também em seus últimos anos. E esta interpretação tem efeitos na Escola Una e no discurso analítico. Pois, “algo foi questionado no fundamento mesmo do discurso analítico”[1].
E se uma interpretação, em um segundo tempo, “tem o efeito de significação para esclarecer um enunciado, um texto a desenvolver”[1], …
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