
Encontros e desencontros pela capital goiana…
sendo ipê, perdi os pés
aterro tentando aceitar os polos
que fazem meu corpo dis-
-junto buscar simultâneo
sol e solo
Fernanda Marra
Enquanto em nós ainda palpita a memória de nossos corpos na praia capixaba, damos continuidade à exploração da geografia de nossa seção, fazendo um deslocamento desde o litoral rumo ao cerrado no coração do Brasil. Goiânia abre os braços para acolher os colegas das demais regiões desse nosso país da psicanálise.
Definida pelo historiador e contista Rafael Saddi, como uma cidade “que não pode ser compreendida senão pela distância eterna do mar”, a capital é palco de encontros e desencontros áridos sob um sol à pino. “Um deserto habita o fogo e afaga a pele que esbraseia os caminhos de (ser)tão imenso”, é como canta o psicanalista Rodrigo Oliveira acerca de uma parceria sintomática possível com o clima e a paisagem urbana que nos cerca. Sem dúvida, a poesia é recurso vital para resistir ao sol e ao mestre do agro que visa aprisionar os corpos.
Sabemos que essa operação não é sem resto, coisa que a experiência de ser goiano materializa muito bem. Habitamos essa dimensão extima, onde essa região considerada central invariavelmente é tomada de maneira marginal, sob muitos aspectos. Aqui, um esforço a mais de poesia para se equilibrar sobre as pedras quentes encontradas no meio do caminho e furar um tanto desse imaginário hegemônico do agro.
Reconhecida como berço do sertanejo, a cidade sempre contou com uma cena alternativa efervescente no rock (Carne Doce e Boogarins para citar as bandas mais pioneiras) e mais recentemente no jazz, fazendo frente ao movimento de resistência para não ser reduzida apenas à capital do agronegócio e da pecuária. Destacam-se os eventos nacionalmente conhecidos como o festival Bananada e Goiânia Noise, que ocorrem anualmente desde a década de 90. A cidade também é sede da Orquestra Filarmônica de Goiás, reconhecida internacionalmente como um dos melhores grupos orquestrais da América Latina.
Tem-se fortalecido em seu polo gastronômico tanto pela criatividade de chefs que partindo das raízes tradicionais da nossa culinária propõem inovações como por aqueles que se atém ao básico. O arroz com pequi, o empadão goiano e o pastel com guariroba nunca perderão seu lugar e mantém seu valor. Estamos preparando indicações preciosas para que possam conferir os sabores do cerrado, do básico ao inovador, das mais simples às mais requintadas. Há opções para todos os gostos!
“Não temos mar, mas também não somos só bar!”, foi uma frase que ecoou na primeira reunião da comissão de acolhimento para esboçar os primeiros passos de nosso trabalho. Animados por um desejo de apresentar uma Goânia plural, por assosição livre fomos elencando referências aquém-mar, além bar, que nos ocorriam. No campo das artes plásticas, além dos nomes de Siron Franco e Antonio Poteiro, vale destacar a pintora e escultora Ana Maria Pacheco. No campo da dança contemporânea, tem havido destaque ao lançar bailarinos clássicos para o mundo como é o caso de Marcus Rufino Chagas, Ana Luísa Negrão e Yasmim Sabag. No circuito literário, há uma safra diversa de escritores e a cidade cedia a feira e-cêntrica de publicações de livros, zines e artes gráficas engrossando o coro com as demais feiras independentes do país.
A capital, abarca ainda, sobretudo em sua região central, um dos mais representativos acervos de Art Déco do país, com um total de 22 construções neste estilo arquitetônico tombadas como patrimônio histórico pelo IPHAN. Destacam-se diversos prédios ao redor da Praça Cívica, o Palácio das Esmeraldas e o relógio na avenida Goiás.
Para além de compor um ranking de méritos ou atrativos tão próprio da lógica fálica, nosso objeto foi enunciar pedaços da Goiânia que pulsam em nós e compor com eles esse mosaico alternativo ao que se entende como a identidade hegemônica do goiano. Não rechaçamos o caipira e o sertanejo (no seu sentido mais original), mas nos percebemos não-todos representados por essa caricatura agro-pop. É preciso dar um passo além do que a régua fálica permite, pois, como classificar o céu do cerrado, nossas artes urbanas, o som do carro da pamonha? Existe algo que permanece incapturável em habitar essa cidade e esperamos poder deixar ressoar um pouco disso à vocês. Até outubro!
Henrique Lope