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O real do sexo na adolescência

Por Luciana da Silva Pedron
Imagem: shutterstock.com;

“Hoje me sinto menino, pode me chamar pelo pronome neutro, Elu?” Assim, mais uma sessão de análise de uma adolescente de 13 anos, se inicia. Essa é uma das muitas frases ditas no contexto das análises (e fora dela) de adolescentes na clínica atual. “Sou fluido, gosto de pessoas”, “Me identifico com os Pansexuais”, “Penso que sou assexuada”, “sou neutro”…

Observa-se, na clínica, que muitos adolescentes não se nomeiam como menino ou menina, como homem ou mulher. Dizer-se menino ou menina parece desrespeitoso diante das diferentes formas de “ser” adolescente hoje. Recusam com veemência a lógica binária. Interessante notar que muitos desses adolescentes ainda não tiveram a oportunidade de terem seus corpos em contato com outros corpos, especialmente os adolescentes cujo despertar sexual e o encontro com o Outro sexo se deram em plena pandemia da COVID-19.

Certamente, ainda iremos recolher, na clínica, as “adolescências” da pandemia. Por enquanto, restam-nos as perguntas: como cada adolescente vivenciou a irrupção sexual no confinamento e num tempo de pandemia que só faz dilatar? Como se deu o tempo de conquista, de sedução e do “encontro” com o sexual no momento de isolamento obrigatório?

Estamos na era da conectividade, do capitalismo generalizado, da ciência fagocitada pelo discurso capitalista, em uma sociedade escópica, instagramável e imagética. Soma-se tudo isso ao imperativo do sucesso, das “fórmulas” de como ser bem-sucedido no amor, na carreira e na criação dos filhos.

Os adolescentes “e seus corpos” estão aí, imersos nessa cultura permeada de paradoxos, ao mesmo tempo que existe liberdade em realizar “todas as possibilidades”, a dificuldade em estar diante de tantas possibilidades também os angustia. Às vezes, a escolha de objeto é adiada, pois ela implica abrir mão de todas as outras possibilidades.

Não existe mais um único significante pelo qual um falasser se orienta, pode haver vários e para cada um, diferente para outro. Por outro lado, também se faz presente, o discurso daqueles que pretendem restaurar a “ordem” perdida, com moralidades e repressões, causando cada vez mais segregação ao tentar exterminar as diferenças.  Cabe a cada falasser, inventar novas soluções e se responsabilizar diante delas.

Como sabemos, não há naturalidade na sexualidade humana, uma vez que ela é da ordem da pulsão, diferentemente do mundo animal em que há instinto. A sexualidade humana é atravessada pela linguagem, pelo inconsciente e justamente por isso não falamos em sexualidade “normal ou patológica”. Segundo Brousse (2019), algo da diferença sexual escapa, constituindo-se em um real impossível de simbolizar e diante desse impossível de dizer que cada um irá construir sua fantasia, sua ficção. Logo, não se trata de uma questão anatômica, de ser XX ou XY, são diversas as combinações possíveis.

Mas, como escolher seu lugar mediante as mais diversas opções? Sou homem? Sou mulher? Sou trans, cis? A lista é infinita… O mercado também está atento a esta tendência e hoje, as roupas “sem gênero” ganham espaço, roupas “neutras”, que não indiquem de forma pré-determinada qual o gênero de quem as usa.

Mais que “escolher” ou que se identificar a uma nomeação, “sou isso ou aquilo”, “sou isso e aquilo”, seriam essas as novas formas de recobrir o encontro com o real do sexo? Uma busca por significantizar o inominável?  Todos esses nomes possíveis parecem indicar uma resposta ao encontro com um impossível: o real do sexo.

As diversas nomeações que os adolescentes veem lançando mão, seriam formas contemporâneas de adiamento do encontro com o real do sexo, para não lidarem com a diferença sexual? Com isso que faz furo na linguagem?

Ainda cabe aos adolescentes de hoje, na “mais delicada das transições”, a tarefa de abandonar a posição infantil, elaborar a perda dos pais imaginários e encontrar um novo objeto de amor e novos modos de gozo?

São muitas as questões envolvendo a temática da adolescência, da sexualidade e o encontro com o real do sexo. As fórmulas da sexuação de Lacan (1972-1973), contudo, nos deixam um aperitivo para essa investigação. Segundo Brousse (2019):

“A diferença sexual, classicamente binária, passa por uma desordem inédita. Um certo número de movimentos de opinião tenta arrancá-la do binário S1 – S2 para pluralizá-la – LGBT – ou apagá-la: recusa do gênero ou exigência do neutro. Uma das tendências da época consiste em privilegiar o ou inclusivo – ou a, ou b, ou os dois – em detrimento do ou excludente – ou a, ou b, mas não os dois”. (Brousse, 2019)

A diferença sexual, portanto, não está restrita à diferença anatômica.  Ainda com Brousse (2019):

 “Todo o ensino de Lacan aborda a questão da diferença sexual nos seres falantes, não a partir da natureza, mas da linguagem e do sujeito. Essa mudança radical de ponto de vista diferencia o falo do pênis, logo, o significante do órgão, e culmina no Seminário 20, Mais, ainda. Passagem do sujeito ao corpo falante, a diferença cessa de ser organizada pela ordem binária e cede lugar a uma oposição não binária entre o Todo, incluindo todos os seres falantes de qualquer gênero que sejam, e o não-todo, que precisamente não permite mais à diferença binária consistir” (Brousse, 2019)

Parece-me importante investigar, com quais recursos os adolescentes atualmente contam para auxiliá-los nesta tarefa.


Referências bibliográficas:

BROUSSE, M-H. O buraco negro da diferença sexual. Cien Digital, n.23, Nov. 2019. Disponível em:http://ciendigital.com.br/index.php/2019/11/17/o-buraco-negro-da-diferenca-sexual/. Acesso em: 12/06/2022.

Lacan, J. O Seminário, livro 20: Mais, ainda (1972-1973). Rio de Janeiro: Zahar. 2008.

MILLER, J-A. “Em direção à adolescência”. Opção Lacaniana nº. 72. São Paulo: Eolia, 2016, p. 20-30.

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