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06/11, às 18h

Exílios – Sinthoma, corpo e território

XXVII Jornadas da Escola Brasileira de Psicanálise, Seção Rio e Instituto de Clínica Psicanalítica, ICP-RJ

Território e Corpo

Paulo Vidal

Território é um espaço político, cultural e simbólico cujos traços repercutem, se inscrevem nos corpos que nele habitam e por cujas coordenadas transitam. Nem a todos os corpos, porém, é dado transitar por qualquer território.

Durante um intervalo, ao longo das filmagens, em um bairro pobre de São Paulo, um conhecido ator brasileiro dirigiu-se a um restaurante, no bairro dos Jardins. Trajava roupas e usava um corte de cabelo ao estilo de um jovem da periferia, assim como tudo o mais que incorporara ao seu personagem. Ao tentar entrar no recinto, advertiram-no de que não havia mesa disponível. Respondeu que poderia comer no balcão, mas disseram-lhe que a cozinha já tinha fechado… Ele não era do pedaço. Os territórios têm fronteiras, exigem passaportes, ditam percursos. Caso o nosso ator tivesse tentado a porta dos fundos, ganharia o passaporte da invisibilidade, como ocorre com os habitantes da periferia que colocam a máquina dos Jardins em funcionamento, limitados à cozinha, funções de limpeza, etc…

Para H. Arendt, o ponto de partida da política é o fato da multiplicidade dos sujeitos, seres diferentes que não guardam uma essência em comum. A política faz laço entre diversos a partir do vazio entre eles. Deste modo, a política não é sem conflito, oscilando entre tecer uma multiplicidade, um viver junto que preserve o ritmo de cada sujeito e fazer de todos Um, atados estreitamente num feixe, um fascio que expulsará, exterminará, no limite, o “a mais”, seja ele judeu, tutsi, ou negro.

Estima-se que, diariamente, 34000 pessoas fogem de suas casas para evitar a morte sob a forma da guerra, da fome e da miséria irrecorríveis. Ademais, o exílio, na atualidade, praticamente coincide com a exclusão: expulso de seu país, o exilado dificilmente é recebido em outros países, sendo geralmente tratado com indiferença, ou mesmo temor. Como escreveu Joseph Roth, “O que é uma pessoa sem papéis? Menos do que um papel sem uma pessoa!”.

Em Luto e Melancolia (1915), Freud escreve que o luto concerne tanto à perda de uma pessoa amada quanto à perda da pátria, exigindo um trabalho de elaboração da perda para que se abra a possibilidade de novos investimentos libidinais, a fim de que o desejo volte a transitar e nos faça transitar. É certo que o exilado precisa fazer o luto de sua pátria, operando, inclusive, a difícil separação entre a encarnação de suas referências (amigos, família, trabalho, etc.) e as referências propriamente ditas, as quais são simbólicas, fatos de linguagem que não se perde. Contudo, perguntamo-nos se a perda da pátria coincide de todo com a perda de uma pessoa amada: a barbárie, o real do exílio põe em jogo um trauma coletivo que se inscreve do lado da morte; o exilado decide fugir de um Outro absoluto, sem limite e sem lei que deseja a sua perda (1). O que coloca várias questões para nós: como esse horror se inscreve no romance familiar do sujeito? Como ele é transmitido através das gerações? Como ele é sintomatizado pelos diversos sujeitos?

Que cada sujeito responda à sua maneira ao exílio, leva-nos a uma das questões que animam nossas jornadas: tensionar a dimensão política e histórica do exílio com a dimensão estrutural do exílio, própria ao sujeito enquanto ser falante, migrante entre uma palavra e outra, desprovido de origem ou essência. Para que o sujeito exilado não fique preso à posição de vítima de uma exclusão, para que ele se desloque, é importante que tensione seus exílios. Que dirija, por exemplo, sua fala a outros, entre eles, se possível, um analista, para fazer algo com os restos do exílio, não se fixar no irreparável de uma perda. O país abandonado não será o país reencontrado, o sujeito tampouco será o mesmo.

Evidentemente, interroga-nos, política e eticamente, o fato de vivermos num mundo em que o capital circula livremente, sem fronteiras, mas no qual sujeitos que fogem de bombas são segregados em verdadeiros campos de concentração nos países vizinhos, quando não morrem afogados, durante a travessia. Vale lembrar que o termo “ética” deriva de “casa”, em grego, o que nos leva à pergunta do filósofo J. Derrida: não deveríamos examinar as situações nas quais a hospitalidade é coextensiva à própria ética?


Notas:
1) Para Freud, o indivíduo da horda não conhece impossível. Qualquer semelhança com situações atuais não é mera coincidência.
2) DERRIDA, J. e DUFOURMANTELLE, A. Da hospitalidade, SP, Ed. Escuta, 2003.
3) ROTH, J. Judeus em Exílio, SP, Editora Madalena, 2017.
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