Breve comentário tecido, a convite da Diretoria da Seção-Rio, sobre os textos de Romildo do…
Algumas reflexões sobre a psicanálise no trabalho online.
Por Heloisa Caldas
A experiência online, seja a específica da sessão de análise, seja a da Escola nas discussões teóricas e clínicas, ainda tem muito a nos ensinar. Para começar porque é muito precário se valer do mínimo do corpo, olhar e voz, que as telas e áudios transmitem, para fazer operar alguma transferência.
No espaço virtual perdemos, ou não sabemos bem como manejar, as sutilezas de cada falasser no que ele se configura, um a um, como um nó borromeano. Quando há vários participantes, não podemos nos entreolhar, não observamos as pequenas manifestações de humor nos rostos dos presentes e talvez percamos algo do tom de voz que o som metálico dos aparelhos distorce.
Um fato rapidamente observável é que o trabalho online cansa mais do que o presencial. Perde-se muito tempo testando o canal num exercício cansativo da função fática no seu estrito senso… câmbio! Ainda mais quando o melhor da escuta silenciosa do analista, que tanto contribui para dar peso e valor às suas palavras, perde a força pela pergunta prosaica do paciente: “você está me ouvindo?”, interpretando o silêncio como uma mera falha no dispositivo.
Para uma experiência psicanalítica, seja clínica ou de transmissão, apostar apenas nos ditos implica em deixar de lado justamente o que mais importa: um dizer que nunca se transfere integralmente e menos ainda quando o corpo, seu maior suporte, não pode estar presente.
No que diz respeito ao olhar pode-se observar que o rosto, persona por excelência, toma muito mais a cena do que nos encontros presenciais em que a face é apenas uma parte do corpo dentro das três dimensões do local onde está – uma sala, digamos. Na tela, os rostos ocupam quase toda a moldura.
Não por acaso, Freud comenta que o fato do paciente observar o ambiente ao seu redor pode ser um sinal de resistência. No entanto, transferência e resistência são verso e anverso do real na transmissão. Se o ambiente ao redor oferece refúgio ao impossível dizer, também parece que o face a face compulsório das telas, por impedir o olhar oblíquo, não favorece um campo para a fala êxtima ao sujeito, nas quais gozo e objeto são entreditos.
Além disso, nos dispositivos digitais em geral, as pessoas implicadas na conversa veem o(s) outro(s) mas a si também. Tem sido uma experiência de encontro com o infamiliar mais intensa do que a narrada por Freud, surpreendido ao olhar uma superfície que espelhava sua imagem. Nos dispositivos a experiência é um pouco diferente, a surpresa não é encontrar a imagem, já sabemos que ela estará lá. Mas é bem diferente de se olhar diante do espelho do banheiro quando a questão do ideal, ser visto pelo Outro como amável – I(A) –, é colocada num plano imaterial. Nos dispositivos, a questão se localiza na materialidade do olhar do interlocutor, plano imaginário – i(a) – mais propício ao eu e seu duplo. Diante da frase “eu me olho e me acho horrível; pior é pensar que você também está me achando horrível assim”, foi bom desligar o vídeo.